No Curry Cabral o primeiro dia de vacinação foi de ambiente de festa e regras rigorosas
À hora do almoço, sem sobressaltos, nenhuma das cerca de 150 pessoas vacinadas neste hospital tinha tido reacções adversas no final dos 30 minutos do tempo de espera determinado para os vacinados permanecerem em vigilância. Passados 21 dias, voltam para a toma da segunda dose.
Da porta dupla da farmácia cerrada até à sala de vacinação, o percurso rectilíneo da técnica faz-se um sem número de vezes desde as 10h30 da manhã. Foi esta a hora marcada para o início da vacinação contra a covid-19 no Hospital Curry Cabral em Lisboa.
Na mão, uma malinha que leva 15 vacinas de cada vez, e serão dezenas de vezes pelos corredores, que a pequenina mulher caminha, direita, compenetrada e escoltada por dois polícias. As regras são rigorosas embora o ambiente seja de descontracção e festa. Aqui partilha-se a expectativa de poder estar mais perto da família e de, enfim, voltar a internar doentes não covid.
À hora do almoço, sem sobressaltos, nenhuma das cerca de 150 pessoas vacinadas neste hospital tinha tido reacções adversas no final dos 30 minutos do tempo de espera determinado para os vacinados permanecerem em vigilância. Passados 21 dias, voltam para a toma da segunda dose.
Sem hesitações
Este é um marco nas suas vidas depois dos últimos dez meses passados na linha da frente a tratar doentes covid-19, ou em serviços onde lidam com a fragilidade de pessoas de risco, doentes crónicos, oncológicos, transplantados e outros, ou mantêm proximidade com potenciais transmissores assintomáticos do vírus, como as crianças nos serviços de Pediatria.
É o caso de Nicole Santos que estava de férias a 200 quilómetros de Lisboa quando foi convocada para ser uma das primeiras pessoas a receber a vacina contra a covid-19. Em nenhum momento a audiologista de 38 anos do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, hesitou.
Diariamente tem contacto com bebés e crianças no trabalho e na família tem de dar assistência a uma pessoa doente: a sua mãe que nunca deixou de ver, mantendo todos os cuidados necessários. “Não há receios”, diz Nicole para quem a vacina traz alívio e vantagens.
“Em nenhum momento tive dúvidas”, diz também Maria Inês Pereira. A enfermeira-chefe do serviço de Medicina Interna do Hospital Curry Cabral foi uma das primeiras a serem vacinadas neste domingo.
“Esta é uma oportunidade e um acto de cidadania. Queremos que a pandemia chegue ao fim, temos o dever de fazer a vacinação”, continua. “Temos um dever de responsabilidade e de dar o exemplo a toda a população. No serviço da Medicina Interna a grande maioria fará a vacina.” Alguns, por situações específicas, não a farão.
Pelas salas de recobro vão passando quem já recebeu a vacina voluntária. Nem todos querem falar. Alguns dizem, de forma discreta, que é por dever de cidadania mas não sem receio que se deixam confiar à incerteza de uma primeira vacina.
"Um exemplo para todos"
“Esta é uma situação nova” que suscita “receios nas pessoas pelo desconhecido”, diz Maria Inês Pereira. Pessoalmente mostra confiança nos resultados da vacina e nenhuma apreensão quanto a eventuais efeitos. A enfermeira considera que “os profissionais de saúde têm um papel importante de desmistificar e aliviar os receios” das pessoas.
Neste primeiro dia da primeira etapa da vacinação em Lisboa, também no Hospital de São José, estão neste domingo a ser vacinados médicos ou enfermeiros, fisioterapeutas, auxiliares, ajudantes da limpeza ou no transporte e outros profissionais de saúde.
Serão estes os dois postos de vacinação do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que (além do São José e do Curry Cabral) integra os hospitais Dona Estefânia, Santo António dos Capuchos, Santa Marta e a Maternidade Alfredo da Costa. No sábado chegaram a Portugal 9750 doses às quais se juntarão outras 70.200 nesta segunda-feira.
Francisco Ribeiro, médico da Nefrologia (Medicina Interna) do Curry Cabral tem 68 anos, a mesma idade de Fernando Nolasco, o primeiro médico entrevistado perante as câmaras de televisão, enquanto primeira pessoa a ser vacinada em Lisboa.
“Todos os dias corríamos riscos e esta vacina dá-nos confiança para continuarmos sem a pressão vivida até aqui”, diz Francisco Ribeiro com alívio e um sorriso que se adivinham por trás da máscara.
Com a segunda vaga, foram abertas quatro novas enfermarias no Curry Cabral, passando este hospital a ter no total 150 camas com taxas de ocupação de mais de 90%. Anteriormente os dois serviços de Medicina Interna e de Infecciologia – que acolhem doentes covid-19 – tinham capacidade para internar cerca de 80 doentes covid, ou seja, apenas metade.
Tratar doentes não covid
António Panarra, coordenador da Medicina Interna deste hospital, nunca teve dúvidas em ser vacinado: “Sem a vacinação não vamos nunca vencer esta pandemia e retomar a normalidade”, diz.
“Uma das primeiras consequências será a normalização da vida nos hospitais. Passaremos a ter também mais internamentos para doentes não covid.” É a esperança e a primeira prioridade de António Panarra.
“Tem sido muito pesado e com muito mais trabalho do que na primeira vaga porque houve muito mais internamentos”, descreve este médico sobre os últimos meses, o segundo a ser vacinado.
Neste momento, as atenções ainda estavam centradas em Fernando Nolasco, 68 anos, por ser o primeiro profissional de saúde a receber a vacina contra a covid-19 em Lisboa. No Hospital de Curry Cabral e no Hospital de São José, a meta estabelecida para este domingo é vacinar 1500 pessoas até às 21h.
Pela hora do almoço, num balanço conjunto do Curry Cabral e do São José, estavam vacinados 300 profissionais de saúde no Centro Hospital Universitário de Lisboa Central. Neste centro hospitalar, a entrega das primeiras doses em Portugal permitirá imunizar 2145 pessoas neste domingo e nos próximos dias.
“É preciso ter noção que isto não é o fim, nem é sequer o princípio do fim. É, talvez, o fim do princípio”, disse Fernando Nolasco, numa referência à célebre frase de Winston Churchill.
O médico mostrou grande confiança no processo de vacinação, como um primeiro passo importante, mas considerou que a vacina não deve ser a única resposta, nem será a única solução. Como tal, é necessário manter as medidas de prevenção dos contágios, afirmou.