Portugueses deslocaram-se tanto a 23 e 24 de Dezembro como no ano passado
Dados da consultora PSE mostram que a 24 de Dezembro houve praticamente a mesma percentagem de deslocações mais longas do que em 2019 e que dia 23 foi equivalente a uma sexta-feira. “Se é para fazer recolhimento obrigatório, os portugueses cumprem, se não é para fazer restrições, os portugueses também cumprem”.
Na última semana andaram a circular imagens de filas à porta de lojas, centros comerciais, supermercados. Sem restrições apertadas, os portugueses mantiveram este ano quase o mesmo nível de mobilidade nos dias 23 e 24 de Dezembro do que no ano passado, mostra estudo da consultora PSE, especializada em ciência de dados.
Segundo o estudo daquela empresa que tem acompanhado a mobilidade dos portugueses na pandemia, no dia 24 de Dezembro houve praticamente a mesma percentagem de deslocações mais longas do que em 2019: 28% versus 31%, respectivamente. Já no dia 23 de Dezembro a mobilidade até foi 5% superior à média antes do estado de emergência, com a elevada e a média mobilidade a manterem uma composição relevante. Neste dia, em termos de tempo e distância, a mobilidade só esteve 6% abaixo daquela verificada em 2019.
“O dia 23 funcionou como uma sexta-feira, com muitas idas às compras e muitas deslocações”, comenta Nuno Santos, director da PSE e responsável pelo estudo.
Depois de 23 de Dezembro, a circulação entre concelhos passou a ser permitida independentemente do nível de risco, e o mesmo acontece com a circulação na via pública, apesar das limitações para os concelhos de risco elevado, muito elevado e extremo: na noite de 23 para 24 foi permitida apenas para quem se encontre em viagem; a 24 e 25 foi permitida até às 2h do dia seguinte; e a 26 é permitida até às 23h.
Segundo aquele estudo, o nível de confinamento foi apenas ligeiramente superior ao do ano passado naqueles dois dias (em mais 5 e 8 pontos percentuais, respectivamente). Comparando com a tendência actual de mobilidade durante os dias de semana, em que há recolher obrigatório a partir das 23h nos concelhos abrangidos pela medida, o confinamento até foi inferior no dia 23 de Dezembro. Mas, neste momento, de segunda a sexta, os portugueses têm um nível de confinamento seis pontos percentuais acima do que era norma antes da pandemia. Os dados, segundo Nuno Santos, devem ser comparados com esta tendência de confinamento actual e isso significa que, na prática, o dia 23 até teve níveis de mobilidade superiores à média dos dias úteis de Dezembro, enquanto o dia 24 apenas contraiu ligeiramente a mobilidade.
O Índice de Mobilidade PSE reflecte a população em circulação, as distâncias percorridas e os tempos de deslocação da população portuguesa, onde 100 representa o valor da mobilidade média de 1 de Janeiro a 14 de Março de 2020.
A mobilidade do dia 24 de Dezembro de 2020 correspondeu a quase 90% da mobilidade de um dia “normal”, uma tendência que se verificou também na quantidade de pessoas que foi passar o Natal fora de casa. No dia 24 de Dezembro de 2019, 20% dos portugueses dormiram a mais de 50 quilómetros da sua residência habitual, percentagem que só diminuiu para 16% este ano. Já a percentagem de quem passou o Natal a mais de 30 quilómetros de distância foi praticamente a mesma em 2019 e 2020: 25% em 2019 e 23% em 2020. A mesma tendência aconteceu entre quem decidiu passar o Natal a mais de 100 quilómetros: 8% em 2020 e 11% em 2019.
Foi justamente no dia 23 que mais pessoas viajaram. E a maioria foram deslocações de longo curso com origem na Área Metropolitana de Lisboa (45%), seguida da Área Metropolitana do Porto que representou 20% das viagens. Os dados mostraram também que os residentes da Área Metropolitana de Lisboa são os com maior propensão para deslocações de muito longo-curso: 15% dos residentes efectuaram deslocações de mais de 100 quilómetros.
“Se é para fazer recolhimento obrigatório, os portugueses cumprem; se é para fazer recolher nocturno, os portugueses cumprem; se não é para fazer restrições, os portugueses também cumprem”, comenta Nuno Santos.
A seguir a confinamento, saídas sobem
A recolha de dados da PSE é feita a partir de uma aplicação em smartphones (com recolha de dados contínua através de monitorização de localização e meios de deslocação via aplicação móvel) num painel de 3670 indivíduos representativos do universo com mais de 15 anos, residente nas regiões do Grande Porto, Grande Lisboa, Litoral Norte, Litoral Centro e Distrito de Faro. Este estudo implica uma APP instalada nos telemóveis da amostra participante.
A mobilidade explica metade da incidência do vírus, segundo Nuno Santos. “Existem outros factores que se desconhece, mas o grande denominador comum são os contactos entre pessoas e há mais contactos quantas mais pessoas há a circular”, diz Nuno Santos. De todos os estudos que esta empresa tem desenvolvido conclui que há uma relação muito forte entre a mobilidade, a quantidade de pessoas a circular e a incidência. Só com medidas constantes e duradouras é que se consegue controlar o que chamamos de stock de mobilidade”.
A PSE tem desenvolvido várias análises sobre o comportamento dos portugueses durante o estado de emergência e consoante as medidas de restrição anunciadas. Por exemplo, em relação ao confinamento a partir das 13h durante os fim-de-semana conclui-se que uma pessoa que vá às compras às 10h irá ter 50% mais de pessoas do que num sábado normal.
Durante a semana, a mobilidade está acima da mobilidade normal antes da pandemia. “Ao fim-de-semana só temporariamente é que estamos a inibir parte da mobilidade. As pessoas estão a circular sempre que podem, cumprem todas as restrições e ao fim de semana concentram-se no período da manhã.”
De facto, a análise mostra que o recolher às 13h durante o fim-de-semana é uma medida com impacto “relativamente baixo dado o perfil de mobilidade da população durante a semana”. “O carácter durador da medida (nos pressupostos), pode criar mais impacto macroeconómico do que na pandemia. Ainda assim, a restrição de mobilidade em dois dias em cada semana promove uma contracção média na mobilidade”, lê-se no relatório.
De acordo com Nuno Santos os estudos indicam que “medidas pontuais têm efeito reduzido e que são necessárias medidas consistentes para controlar de forma estável o stock de mobilidade”.
A tendência que se tem verificado é que depois do confinamento há uma subida consistente de mobilidade e cada vez que há períodos em que as pessoas estão inibidas de circular. “Quando se tira a mão da mola, ela salta e as pessoas deslocam-se em maior número e maiores distâncias”, completa.