Herdade da Torre Bela só disponibilizou 105 selos para a montaria onde terão sido abatidos 540 animais
Fonte da Quinta da Torre Bela explica que foram cedidos 40 selos para abater veados e 65 para javalis, mas as autoridades encontraram canhotos de 270 selos. O ICNF já pediu vária documentação à empresa promotora do evento, nomeadamente as licenças dos seis matilheiros contratados para ajudar os caçadores.
A Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação, proprietária da Quinta da Torre Bela e que era detentora da licença de caça, entretanto suspensa pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no âmbito da investigação ao alegado abate de 540 javalis e veados, apenas cedeu 105 selos para abater animais na montaria, realizada a 17 e 18 de Dezembro.
Fonte da Quinta da Torre Bela explicou ao PÚBLICO que foram cedidos 40 selos para abater veados e 65 para javalis. Estes selos eram ainda de 2019. Segundo a mesma fonte, os selos para realizar montarias, e que são aplicados em cada animal morto, são cumulativos e adquiridos pelas sociedades que têm licença de caça, neste caso, a Associação Nacional de Proprietários Rurais - Gestão Cinegética e Biodiversidade (ANPC).
Acresce que a Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação cedeu os direitos de exploração da Quinta da Torre Bela a Avelino Almeida Carvalho para os anos de 2020 e 2021. E foi este que a empresa espanhola Monteros de la Cabra, de Mariano Moralles, contactou para realizar a montaria.
Quando elementos do ICNF e da GNR foram à Quinta da Torre Bela encontraram 270 canhotos dos selos, números que não batem certo com os que a proprietária terá cedido (105) e com o número de animais que terão sido mortos (540).
Acresce que os elementos do ICNF, entre a documentação que recolheram, encontraram uma factura de aquisição de 550 selos para caça maior (50 para javalis e 500 para veados) por parte da Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação à ANPC, com data de 23 de Janeiro de 2020.
Fonte da Quinta da Torre Bela garante que nenhum destes selos foi usado na montaria de 17 e 18 de Dezembro. E que destes 550 selos, a Sociedade apenas gastou 85, tendo ainda na sua posse 465.
Em declarações à TSF, o secretário-geral da ANPC, João Carvalho, admitiu a venda de vinhetas à proprietária da Quinta da Torre Bela para épocas de caça anteriores, rejeitando, contudo, quaisquer responsabilidades na alegada matança de mais de 500 animais.
João Carvalho disse ainda que “fará todo o sentido que uma quinta com uma população de veados, gamos e javalis com aquela dimensão possa abater, durante uma época de caça, um grande número de indivíduos — e 270 não estará nada longe daquilo que será normal”.
Segundo o secretário-geral da ANPC, cada entidade que pretende adquirir selos tem de preencher um formulário e fica devidamente identificada pelo processo da zona de caça. Há um termo de responsabilidade assinado pelo responsável dessa zona de caça e são distribuídos selos dos dois tipos: cervídeos (selos verdes) e javalis (selos amarelos).
João Carvalho levantou ainda dúvidas sobre a forma como foram colocados os selos: “Naquelas imagens vemos, por exemplo, cervídeos marcados com selos amarelos, o que, desde logo, indicia que houve ali situações… E também se vêem nas fotografias selos vermelhos. Os selos vermelhos nem sequer são vendidos, são distribuídos, mediante uma autorização de correcção de densidades que tem de ser obtida previamente pelo ICNF, exclusivamente nessa situação. E, segundo sabemos, o ICNF não autorizou nenhuma correcção de densidades na Torre Bela”.
"Só fui para ganhar alguma coisita”, diz matilheiro português
Ao que o PÚBLICO apurou, nesta caçada participaram 16 caçadores estrangeiros, que terão pago entre sete a oito mil euros, e foram contratados seis matilheiros cada um com 20 a 25 cães: são eles a Matilha Colmeia, Matilha Portalegre, Matilha Estremoz, Matilha Tempestade (os quatro portugueses), Matilha Sebastian e Matilha Los Nenes (sendo estes espanhóis).
Os matilheiros têm como função auxiliar os caçadores nas montarias. Largam as matilhas em sítios específicos e depois os cães perseguem os animais a abater, levando-os na direcção dos caçadores.
Ao PÚBLICO, um dos matilheiros, com 40 anos de experiência, que é da zona do Alentejo, explicou que recebeu 200 euros para participar na montaria, mas apenas no dia 17 de Dezembro. Explicou que não foi no segundo dia porque não ia compensar os gastos que ia ter com a viagem. “Só fui porque com isto da covid-19 não se tem feito nada. Fui para ganhar alguma coisita”, afirmou.
Este matilheiro não viu a quantidade de animais mortos, porém sublinha que, tendo em conta o tamanho da herdade e a quantidade de animais, os 540 que se falam não seriam um exagero. “Às vezes, os caçadores gabam-se do que caçam e não caçam e às vezes também por questões de publicidade”, sublinha, acrescentando que em Espanha já esteve em montarias onde foram mortos mais animais e que, numa caça às perdizes, às vezes também se matam mais de 300.
O matilheiro conta ainda que o local onde estiveram a fazer a montaria na Quinta da Bela Torre “até tinha poucas árvores e parecia haver pouca vegetação para alimentar tanto animal”. E acrescenta que já foi contactado pela entidade promotora da montaria para enviar a documentação da sua matilha, uma vez que a empresa está a ser alvo de fiscalização.
A carne dos javalis e dos veados mortos na Quinta da Torre Bela foi para Espanha, tendo sido adquirida por um comerciante de carne: Jaime Herrera Cabanillas, da povoação de Talarrubias, Badajoz.
Na montaria esteve presente um veterinário português da zona de Elvas. O PÚBLICO tentou contactá-lo para perceber em que moldes teve lugar a sua participação, mas não obteve resposta.
Segundo Jorge Cid, da Ordem dos Médicos Veterinários, este profissional não é responsável pelo sucedido, uma vez que não é a ele que cabe a colocação dos selos.
A proprietária da Torre Bela emitiu, esta quinta-feira, um comunicado onde descarta qualquer responsabilidade no alegado abate dos 540 animais e diz que está a colaborar com as autoridades para a descoberta da verdade.