A vacina chegou, mas há pessoas com medo de morte das agulhas que podem salvar vidas
Para os milhões de adultos que temem intensamente agulhas, o momento pelo qual esperam há meses chega com um dilema existencial. A pergunta é: de que têm mais medo, da covid-19 ou de levar uma injecção? A fobia a agulhas pode ser uma das pedras no caminho da imunidade de grupo.
Armand Dávila toma medidas extraordinárias para evitar agulhas — incluindo não pensar sequer nelas.
Quando um médico lhe disse que estava em risco de desenvolver diabetes, um diagnóstico que iria exigir injecções de insulina diárias, Dávila começou a treinar para uma maratona. Para fazer análises, leva uma máscara para tapar os olhos e auscultadores. E isto nas vezes que consegue aparecer no hospital.
“Se eu vir a agulha, começo a hiperventilar”, garante o técnico de marketing digital que vive em Washington, D.C., nos Estados Unidos. “Se ouvir a pessoa a chegar com a agulha, começo a hiperventilar. Só olhar para uma agulha faz-me congelar.”
Agora, com os desenvolvimentos das vacinas para o novo coronavírus, é impossível desviar o olhar das imagens de agulhas a serem espetadas em braços que aparecem, a toda a hora, na televisão e nas redes sociais. Para os milhões de adultos que, como Dávila, temem intensamente agulhas, o momento pelo qual esperam há meses chega com um dilema existencial: muitos têm um medo de morte de uma agulha que pode salvar vidas.
Isto levanta uma questão que alguns psicólogos dizem estar a ser ignorada no meio de outras especulações sobre a vacina. Quantas das pessoas com aversão a agulhas vão evitar a vacina e arriscar contrair uma doença que já vitimou mais de um milhão e meio de pessoas?
“Acho que vamos ver um grupo de pessoas a abster-se e a manter o medo”, acredita Bonnie Zucker, uma psicóloga especialista em ansiedade, incluindo fobia de agulhas. “É muito poderoso e assustador.”
Tão assustador que estudos mostram que as pessoas com aversão a agulhas falham, com regularidade, procedimentos médicos como vacinas, remoção de dentes ou análises, que sabem ser para o bem delas.
Mary Rogers, uma professora de saúde pública reformada, da Universidade de Michigan, diz que entre 20 a 30% da população dos 20 aos 40 anos tem medo de agulhas. Em 2018, foi co-autora de um artigo no Journal of Advanced Nursing que relatava que 16% dos adultos evitam, por este motivo, tomar a vacina da gripe.
“Se o mesmo fenómeno acontecer com a vacina de covid-19, a metade desta taxa seria um número considerável de adultos a evitar a vacina, o que poderia impedir os esforços de imunidade de grupo”, diz.
Num inquérito recente a 788 americanos adultos, o American Journal of Infection Control relatou que o medo de agulhas precedia as preocupações com efeitos secundários e com a rapidez do desenvolvimento da vacina, como principais razões para não querer ser vacinado.
Para quem não consegue imaginar por que é que alguém não tomaria uma vacina por causa do medo de uma pequena agulha, Zucker tem uma resposta: “Concordo plenamente, mas eu não tenho uma fobia de agulhas. Para as pessoas que têm, é como quem tem medo de entrar num avião.”
Jane Lyons, uma activista pelo direito à habitação de 24 anos que sofreu ataques de ansiedade quando posta frente a frente a agulhas, fez um apelo aos meios de comunicação: parem de mostrar imagens de agulhas porque estão a assustar quem, como ela, tem ansiedade de agulhas. “Deixa-me arrepiada quando devia dançar de alegria por a vacina estar a chegar”, escreveu.
A pior parte, além de ver agulhas, é precisar de justificar como é possível ter tanto medo de um objecto aparentemente inofensivo. “Só falar sobre isto está a deixar-me com suores frios”, confessou Armand Dávila, a meio de uma entrevista de meia hora.
Dávila nunca procurou aconselhamento psicológico, mas psicólogos dizem que este medo é tratável, como outras fobias, através de terapia cognitivo-comportamental. O objectivo é parar um ciclo perigoso onde tentar evitar um estímulo que induz ansiedade (neste caso, agulhas) apenas faz com que a ansiedade cresça, como uma bola de neve a ir por uma montanha abaixo.
“Quanto mais evitas algo, pior fica”, explica Kristin Kunkle, uma psicóloga que trata a ansiedade com terapia de exposição. Em vez de evitarem imagens de agulhas, muitos psicólogos expõem os pacientes a cada vez mais fotografias de mangas arregaçadas e agulhas espetadas em braços. A partir daí, começam a usar injecções falsas, mas realistas, para simular o processo de vacinação, usando até toalhitas de álcool. “Gradualmente abordas o que provoca a ansiedade e começas a encontrar formas de desafiar as crenças catastróficas que têm.”
É pouco provável que este processo, que pode demorar semanas, possa ser acelerado a tempo do plano de vacinação de covid-19. Há outras sugestões mais rápidas, como usar um gel que bloqueia a dor, flectir e relaxar os músculos repetidas vezes, tentar meditar e usar distracções como auscultadores e máscaras para dormir.
“Acho que, pela primeira vez, vamos ver indivíduos que evitam agulhas a serem pressionados pela família e amigos, para levar a vacina e confrontar os seus medos”, disse Zucker. “Mas é muito difícil competir com uma fobia”, diz.
Poderá haver uma forma: se as pessoas com medos extremos de agulhas tiverem mais medo do vírus do que da agulha.
Até ao momento, este cálculo mental está a empurrar tanto Dávila como Lyons para a vacina. “Tens mesmo de te perguntar: do que tenho mais medo? Covid-19 ou agulha?”, pensa Dávila. “Covid-19. E isso significa que chegou a altura de crescer, cerrar os olhos e pôr os auscultadores.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post