Ministro do Ambiente diz que ICNF identificou promotores e caçadores que participaram na “chacina” na Torre Bela
João Pedro Matos Fernandes recusa associar aquilo que chamou de “chacina” dos mais de 500 animais na Quinta da Torre Bela ao projecto de instalação da central fotovoltaica. Estudo de impacte ambiental confirma que proprietário da Quinta realizou acções cinegéticas com maior regularidade e que o número de animais tem vindo a ser reduzido.
“Não há qualquer relação entre isso e a chacina que se verificou na semana passada”, disse nesta quarta-feira, 23 de Dezembro, o ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes. “Isso” são as notícias que vieram a público, de que está em estudo a implantação de um central fotovoltaica na Quinta da Torre Bela, onde decorreu a caçada em que foram abatidos 540 animais, e de que o Estudo de Impacte Ambiental previa a retirada de animais do terreno.
“Não é possível construir uma central fotovoltaica num espaço onde existem animais de grande porte”, começou por afirmar o ministro, que falava aos jornalistas à margem de uma apresentação de intervenção para prevenção de cheias no Baixo Mondego.
Matos Fernandes classificou a “chacina” dos 540 veados, gamos e javalis como um “acto vil e um acto de ódio”, e sublinhou que a empresa que ganhou o concurso para a construção da central “já veio condenar essa mesma chacina”. E prosseguiu: “Mas existe alguma relação entre a instalação dessa central fotovoltaica e a chacina perpetrada por 16 caçadores? Eu não encontro nenhuma.” O ministro disse ainda que o Instituto da Conservação da Natureza e das Floresta (ICNF) esteve na terça-feira no local e que identificou os proprietários, assim como os caçadores e que entregou essa informação ao Ministério Público. Acrescentou também que “uma parte muito significativa, ou mesmo todos os animais mortos”, foram levados para Espanha para consumo.
Os jornalistas perguntaram se o ministro se baseava num juízo ou em evidências para afastar o cenário de conluio entre proprietários do terreno e construtores da central, sendo que Matos Fernandes disse não ter “nenhuma razão para achar que houve esse conluio”.
Apontou também que quem quer construir a central fotovoltaica não tem “direito nenhum, portanto também não fez coisa nenhuma nem o fará sem ter esse direito outorgado": “Enquanto não houver Declaração de Impacte Ambiental, ela não tem esse direito”. O responsável pela tutela referiu ainda que está a decorrer a consulta pública do Estudo de Impacte Ambiental, “que prevê que os animais possam dali ser retirados”. “Não sugere, em momento algum, coisas como estas”, sublinha.
O Estudo de Impacte Ambiental está em fase de consulta pública e tem a data de Julho de 2020. De facto, o referido estudo, consultado pelo PÚBLICO, fala da existência de animais de caça e indica que “será necessário encontrar uma solução para estes animais, dado que futuramente deixarão de ter habitat adequado dentro da Tapada, na zona que ficará ocupada pelos painéis”.
Indica ainda o estudo que: “da avaliação preliminar efectuada, verificou-se que os veados e gamos em causa são espécies não interessantes do ponto de vista de conservação pois possuem uma genética que não corresponde às espécies ibéricas e, como tal, não poderão ser introduzidos em espaços abertos (libertados em zonas de serra). Está a ser ponderada uma solução alternativa da sua transferência para uma outra herdade (vedada) da mesma proprietária, em alternativa a uma solução mais drástica de extermínio desta população através de sucessivas acções cinegéticas. Nesta fase estão a ser avaliadas as várias soluções, as quais, durante a elaboração do EIA, serão apresentadas ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a fim de se aferir qual a solução considerada mais adequada”.
Porém, no mesmo documento também é reconhecido que o proprietário do terreno tem feito caçadas para reduzir a presença destes animais: “Salienta-se também que a área de estudo constitui um couto de caça. Desta forma, ocorrem aí elevados números de grandes espécies cinegéticas, como javalis (Sus srofa), veados (Cervus elaphus) e Gamos (Dama dama). Importa a este respeito referir que, face à expectativa da instalação destas centrais fotovoltaicas, a proprietária da Quinta da Torre Bela tem vindo a desenvolver acções cinegéticas com maior regularidade, estando o efectivo destes animais vindo gradualmente a ser reduzido”, lê-se, acrescentando que “têm também sido transferidos animais para a zona adjacente à área de implantação das centrais fotovoltaicas que se localiza a nascente, prevendo-se que à data da instalação do projecto já não existam animais de grande porte na zona”.
Entretanto, o ICNF já interditou a caça turística na herdade, “por forma a prevenir a continuidade ou repetição dos factos incorridos e salvaguardar o património cinegético e demais fauna existente”. Contactado pelo PÚBLICO, este organismo explicou que as diligências efectuadas pelos seus técnicos no local já permitiram “apurar fortes indícios da prática do crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas”, razão pela qual decidiu apresentar uma participação ao Ministério Público.
O ICNF acrescenta ainda que o “abate desproporcionado de animais” viola a obrigação legal de os recursos cinegéticos serem “explorados de uma forma sustentável”.