Este projecto quer incentivar as mulheres da Foz a intervir na vida política

O Participo! – Participação Cívica e Política das Mulheres, projecto da União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, arrancou este mês e até 2022 vai realizar várias acções para estimular a participação política e cívica das mulheres e raparigas do território.

Foto
Paulo Pimenta

Filipa Martins, advogada de 38 anos nascida e criada em Nevogilde, carrega nos ombros o peso de um dilema que a consome diariamente. Tem perfeita consciência do privilégio que é estar inserida numa família de classe social média alta de educação judaico-cristã, o que lhe garantiu um acesso privilegiado a oportunidades em várias frentes. Profissional de grande sucesso e ambição, está a batalhar por um lugar como associada no escritório onde trabalha, o que só é possível com muitas horas de serviço. O marido, também oriundo de uma família abastada, é engenheiro civil e passa a maior parte do tempo na empresa. Salva-os a empregada que cuida da casa e dos dois filhos, ambos a frequentar o ensino básico num colégio privado. Mas pertencer a um meio social, económica e culturalmente favorável não apaga a culpa que Filipa sente por dedicar pouco tempo aos filhos. 

A Filipa não é uma pessoa de carne e osso. Ganhou vida na primeira sessão do grupo de trabalho do Participo! – Participação Cívica e Política das Mulheres, mas os factores que impedem ou dificultam a sua proactividade e participação na vida política estão longe de ser fictícios. Foi para identificar, reflectir e debater os motivos facilitadores ou obstrutores da presença das mulheres no espaço público que se reuniram, há uma semana, elementos de contextos tão díspares como a União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde (UFAFDN) – promotora do projecto com financiamento do EEA Grants e uma duração prevista de dois anos –, Associação de Moradores do Bairro de Aldoar, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Vida Independente – Porto, entre outras instituições de ensino superior, partidos políticos, associações e colectividades de carácter social e cultural.

Em menos de 30 minutos, os participantes distribuídos pelos quadradinhos da videoconferência desenharam a identidade da personagem, acrescentaram-lhe diversas camadas de informação e, finalmente, propuseram-se a desmontá-las para perceber o que anestesiava o espírito crítico e a vontade política desta mulher nevogildense. “Lembro-me de ouvir uma senhora dizer à filha, que tinha acabado de entrar num sindicato, ‘não arranjavas mais nada para roubar tempo aos teus filhos?’”, conta Manuela Brito. A frase referida pela psicóloga clínica é paradigmática da “culpabilidade associada ao papel da mulher enquanto mãe”, factor premente na decisão de investimento do seu tempo.

A maternidade é, aliás, dotada de potencial tentacular enquanto constrangimento na emancipação política e cívica das mulheres. “Muitas vezes a mulher sente-se na obrigação de ser mãe para cumprir o seu papel enquanto mulher”, problematiza Tiago Rolino, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A pressão social e familiar para encarnar e estar à altura desse papel, as expectativas e construções sociais e de género, a exigente gestão de tempo entre a vida profissional e doméstica ou a insegurança e medo agravados por comentários estigmatizados de mulheres e homens são alguns travões na participação cívica e política feminina.

Uma questão cultural e educativa

Se tivermos a “ousadia”, como diz Ana Catarina Correia, do Centro de Vida Independente, de adicionar a esta mulher uma incapacidade física que lhe condiciona a mobilidade, “as dificuldades que ela sentia antes do [hipotético] acidente iriam triplicar-se”. Antes de pensar, sequer, no acesso a um espaço de fala na sociedade, Filipa seria confrontada com a reconfiguração do seu acesso à via pública, aos transportes, entre outros factores que lhe mereceriam atenção prioritária. O mesmo se aplica a características como cor da pele, etnia, orientação sexual, entre outras que se desviem do padrão socialmente instituído.

A participação (ou falta dela) não é apenas uma questão individual. Pelo contrário, é amplamente influenciada pelos hábitos culturais e informativos de cada país. “Nós não temos esse perfil enquanto povo”, admite Florbela Samagaio. A professora da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti atribui a falta de iniciativa contestatária “à forma como o sistema de ensino está montado”. “Não somos muito preparados nem nos sentimos à vontade para emitir as nossas opiniões”, afirma. Matilde Carreira, estudante do 12ºano, concorda com a afirmação e dá o seu círculo escolar como exemplo. “No meu grupo de amigas, há apenas uma que partilha destes interesses”, revela ao grupo. E vai mais longe. “Poderia haver, por exemplo, uma disciplina que fale sobre o que acontece no mundo”. 

No final das 18 reuniões previstas para o projecto, espera-se que haja um “mapa conceptual que explique este problema de uma forma mais inteligível”, resume Sofia Mexia, da UFAFDN. É verdade que “o diagnóstico nunca estará fechado”, mas a ideia é que o projecto dê origem a um “guia de orientações para ajudar a resolver o problema neste e noutros territórios”. Para isso, contribuirão outras actividades pensadas para os próximos 24 meses, como a criação de uma plataforma digital; a simulação de assembleias de freguesia; acções de personal storytelling em que mulheres que sejam um exemplo de participação cívica e política contarão as suas histórias em tertúlias, bibliotecas humanas ou exposições itinerantes; formação avançada em B-Learning para mulheres; entre outras acções. O projecto deverá terminar com um evento informal TedXPorto.

Sugerir correcção
Comentar