Agora, mais do que nunca: saber permanecer

A pandemia trouxe o cancelamento de muitas actividades de voluntariado de proximidade que respondiam às dores e necessidades de periferias: quantos deixaram de estar onde eram mais necessários, quando a necessidade agravou?

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Paulo Pimenta

Os números dolorosos da pandemia não são só os das mortes e infectados anunciados nos noticiários. São também os dos idosos mais isolados do que nunca numa fase das suas vidas que, embora muitas vezes frágil, não deve deixar de ser profundamente vivida. São os de muitos reclusos que, com a suspensão de visitas, se sentem cada vez mais distantes da possível reinserção social. São os das cada vez mais pessoas em situação de sem-abrigo, para quem é impossível ficar em casa, e para quem, na rua, se deixou de sentir a presença de tantas mãos amigas. Os números dolorosos da pandemia são também estes de tantas lutas diárias de sobrevivência igualáveis à luta contra este vírus.

A pandemia trouxe o cancelamento de muitas actividades de voluntariado de proximidade que respondiam às dores e necessidades destas e outras periferias: quantos deixaram de estar onde eram mais necessários, quando a necessidade agravou?

Nestes meses em que o mundo foi dominado por um vírus que trouxe distância, dor e morte, na Meeru decidimos não adiar a missão. Desde Julho, temos 26 voluntários a partilhar a vida com sete famílias de pessoas refugiadas e migrantes em Portugal.

Como nós, tantas outras organizações souberam permanecer. Olhemos para a Associação Virar a Página, que surgiu em Braga durante a pandemia: uma cantina social que, desde Março, serviu mais de 90 mil refeições a famílias carenciadas. Também a Casa Porto continua no terreno com voluntários a preparar e distribuir 700 refeições por semana, especialmente junto de pessoas em situação de sem-abrigo, tendo o número de pedidos de ajuda triplicado face ao início do ano. Na Crescer, em Lisboa, os voluntários continuaram a apoiar a distribuição de refeições, nas rotas de entrega de alimentos e medicação e no apoio nas aulas informais de português e extra curricular de crianças e jovens refugiadas.

Perante a emergência da covid-19, foi e é difícil encontrar um equilíbrio nesta ambivalência entre duas urgências: a protecção da saúde pública de todos e o cuidado pela fragilidade que resulta do isolamento de tantas vítimas dessa outra pandemia relacional, em que já há muito vivíamos.

Na Meeru, estamos certos da obrigação de cumprir as normas que nos protegem a todos. Mas mantemos a certeza de que, neste contexto, se agudiza ainda mais a distância que nos separa de quem vive à margem. Aos factores que já antes contribuíam para o isolamento de tantas famílias refugiadas e migrantes nas nossas comunidades, acrescentamos agora o risco de as poucas e ainda frágeis relações que mantêm se enfraquecerem, ou até não existirem nos momentos mais cruciais.

Desde Julho, os nossos voluntários fizeram acontecer mais de 100 encontros de proximidade: pelo menos 100 vezes desafiámos a cultura do medo e do conforto individual para construir a cultura do encontro em que acreditamos.

Reestruturadas as equipas de voluntários para reduzir possíveis cadeias de contágio, com máscara, atenção à distância física, redução da duração dos encontros, preferencialmente ao ar livre, e cumprindo o limite de pessoas por ajuntamento, é possível construir proximidade. Por isso, com as adaptações essenciais, continuamos no terreno, a viver intensamente, com criatividade e compromisso, a missão.

O nosso projecto Meeru Aproxima é, acima de tudo, vida real partilhada entre equipas de voluntários e famílias refugiadas e migrantes. E a vida, se real e partilhada, não pode sofrer suspensões. Readapta-se e permanece.

Sabemos que têm sido tempos difíceis para todas as organizações de Economia Social com programas de voluntariado. Mas, neste tempo de incertezas, uma certeza temos: não podemos não estar presentes quando e nos lugares onde somos mais necessários. Seria um paradoxo, uma incoerência desonesta perante o nosso propósito, pararmos e confinarmo-nos à nossa própria segurança, quando se torna mais indispensável uma solidariedade autêntica, com os olhos postos nos, cada vez mais, últimos entre os últimos.

Agora, mais do que nunca: a missão é saber permanecer.

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