O ajuste do relógio biológico pode servir para atrasar as demências?
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa anuncia esta terça-feira vencedores dos prémios Mantero Belard, Melo e Castro e João Lobo Antunes. No total, são quase meio milhão de euros para três projectos de investigação na área das neurociências.
Espreitar para as pistas que as imagens de ressonância magnética dão sobre a doença de Parkinson e identificar células que podem tornar-se uns bons alvos para a recuperação de lesões da medula são os planos dos dois projectos vencedores da 8ª edição dos Prémios Santa Casa Neurociências, no valor total de 400 mil euros. Atribuído também pela Santa Casada Misericórdia de Lisboa, o Prémio João Lobo Antunes, de 40 mil euros, distinguiu ainda uma investigação que estuda a influência dos padrões de ritmo circadiano em doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer ou demência dos corpos de Lewy, e que pode vir a resultar num tratamento inovador e personalizado para doentes com demência. Os vencedores da edição 2020 dos prémios da Santa Casa foram conhecidos esta terça-feira.
“Da expressão genética à função das redes neuronais: estabelecendo a ponte na doença de Parkinson” é o título do projecto liderado por Noam Shemesh, investigador principal do Centro de Neurociências da Fundação Champalimaud e responsável pelo Laboratório da Plasticidade e Actividade Neuronal. O plano do cientista que venceu o Prémio Mantero Belard de 2020, no valor de 200 mil euros, passa por usar métodos não invasivos de imagiologia como a ressonância magnética para olhar para o cérebro de doentes com doença de Parkinson e detectar as anomalias que acontecem a nível neuronal. A equipa de investigadores da Champalimaud pretende ainda relacionar estes problemas na rede com a parte genética que estará subjacente e as consequências no comportamento.
A combinação entre o recurso ao método da ressonância magnética funcional, a genética e modelos animais transgénicos da doença de Parkinson poderá levar a uma visão única e fundamental sobre os mecanismos envolvidos nesta doença neurodegenerativa. “A concretização deste projecto irá expandir significativamente a compreensão actual dos patomecanismos subjacentes à doença de Parkinson, usando uma nova abordagem que poderá também ter um impacto significativo na investigação feita noutras doenças neurodegenerativas. Esta ampla abordagem terá valor clínico significativo para o diagnóstico e caracterização a doença de Parkinson em fazes iniciais, rastrear a progressão da doença ao longo do tempo e monitorizar o sucesso de novas terapias”, refere o resumo do projecto no comunicado de imprensa sobre a atribuição do prémio.
Maria Leonor Tavares Saúde, investigadora do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, é a responsável pelo projecto que venceu o Prémio Melo e Castro, também no valor de 200 mil euros. A investigação centra-se no papel que as células senescentes desempenham na recuperação de lesões na medula espinhal, num trabalho que inclui modelos animais que se sabe terem muita e pouca capacidade regenerativa deste tipo de lesões. Assim, por um lado, a equipa analisa a importância destas células no ratinhos, modelo que tal como os humanos tem uma reduzida capacidade regenerativa, mas também nos peixe-zebra que têm uma capacidade regenerativa considerada excepcional. “Surpreendentemente, enquanto no peixe-zebra as células senescentes são temporariamente induzidas na periferia da lesão, no ratinho estas células acumulam-se e persistem ao longo do tempo. Mostrámos que a eliminação das células senescentes com recurso a fármacos conduz a uma notável recuperação funcional em ratinhos lesionados”, lê-se no resumo do projecto que agora deverá prosseguir com a caracterização deste mecanismo em lesões noutros órgãos afectados. “Acreditamos que nosso trabalho contribuirá para o desenvolvimento de uma nova terapia para regeneração da medula espinhal em mamíferos.”
Além destes dois prémios que fazem a 8ª edição dos Prémios Santa Casa Neurociências, a Santa Casa anunciou esta terça-feira também que João Luís Oliveira Durães, investigador no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra é o vencedor do Prémio João Lobo Antunes. O trabalho pretende usar o ritmo circadiano para a definição de um tratamento personalizado em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer ou a demência dos corpos de Lewy. Como? “Iremos avaliar o ritmo circadiano através de perfis de ritmo-actividade, temperatura, melatonina, cortisol e expressão de genes relógio, comparando os achados entre as formas de demência e com os controlos saudáveis”, explica o resumo do vencedor, adiantando que os padrões identificados vão servir para “ajustar planos de cronoterapia nestas formas de demência, num estudo clínico”.
Vários estudos já concluíram que a perturbação do ritmo circadiano – que inclui, entre outros factores, os ciclos de sono e vigília, os períodos de repouso e actividade e variações na temperatura, hormonais e genéticas – pode ser considerada como um factor de risco para doenças neurodegenerativas. Muitos cientistas defendem que ajustar o ritmo do relógio biológico, com simples medidas que permitam, por exemplo, assegurar um padrão de sono reparador, pode ajudar a travar a progressão de demências.
O projecto liderado pelo neurologista de Coimbra vai mais longe e propõe chegar até à receita de um tratamento que permita “uma redução da disfunção circadiana e benefícios clínicos, nas alterações comportamentais, qualidade de sono, função cognitiva, impacto no cuidador e utilização de recursos de saúde”. “Este estudo, utilizando a experiência de uma equipa multidisciplinar, incluindo neurologistas, neuropsicólogos e uma equipa de investigação básica com experiência na área da cronobiologia, tem potencial para desenvolver um tratamento inovador e personalizado para doentes com demência”, adianta o resumo da equipa vencedora, concluindo que aqui poderá estar “um método económico e fácil de utilizar (em casa ou em instituições) para melhorar as alterações comportamentais, permitindo benefícios pessoais, familiares, sociais e económicos significativos”. Para ajudar a concretizar este plano, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa deu 40 mil euros.