Ministro nomeou militar para o SEF, no terreno preferiam civil
O general Luís Francisco Botelho Miguel vai substituir Cristina Gatões no cargo de direcção de um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras à beira da remodelação. Há quem critique: “Se o SEF era policiado, agora passa a ser militarizado”. Mas há quem entenda a escolha se for para liderar outro SEF “por ser interlocutor respeitado pelas partes”.
Vem da Guarda Nacional Republicana, é tenente-general e vai liderar o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) num momento crítico. Luís Francisco Botelho Miguel foi anunciado esta sexta-feira pelo Ministério da Administração Interna (MAI) como o sucessor de Cristina Gatões, que saiu ao fim de nove meses da morte de Ihor Homenyuk, a 12 de Março, alegadamente assassinado por três inspectores no centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa.
Terá a missão de reestruturar o SEF, naquilo que o Governo anunciou como a separação da parte documental da policial, algo que era há muito reivindicado pelo movimento associativo. E lidera um organismo que teve quatro demissões de chefias e 13 inspectores com processos disciplinares propostos pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) por causa da morte de Ihor Homenyuk.
A escolha de um militar para assumir a reestruturação deste organismo foi recebida com reserva no meio. Dentro do SEF, Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização, vê-o como um “péssimo sinal”. “Colocar um militar é esquecer 30 anos do mais civilista serviço de imigração da Europa. Não é com a lógica militarizada que se vai salvar tudo o que é bom no SEF”. Isto porque este líder sindical defende que o SEF “só pode ser reorganizado com base nos princípios do serviço civilista que tem prestado à sociedade”. “Tudo o resto é um retrocesso. Deve ser dirigido por um quadro civil”, defende.
Timóteo Macedo, conselheiro para as Migrações, também defende a liderança por um civil, o que seria “meio caminho andado” para “um tratamento mais humanizado e respeitador dos direitos humanos e das liberdades e garantias.” A escolha de um general dá, na sua opinião, um sinal de “cedências a outras forças e a resistências que existem dentro do SEF”. Vê-a também como “uma resposta à concorrência que existe noutras forças policiais": “Não é uma nomeação isenta de qualquer pressão.”
O dirigente da Solidariedade Imigrante (Solim) refere-se às declarações, no domingo, do director nacional da PSP, Magina da Silva, sobre uma fusão entre o SEF e PSP, o que mereceu um reparo do Eduardo Cabrita, que afirmou que a reforma do SEF será anunciada “de forma adequada” pelo Governo “e não por um director de Polícia”.
Esta nomeação de um militar emite um sinal de que “se o SEF era policiado, agora passa a ser militarizado”, acredita. “Já estiveram directores ligados à polícia e as coisas não funcionam porque não têm sensibilidade para as questões da imigração. Estas nomeações são mais para conter algum descontentamento.”
"Autoridade sobre um corpo policial”
Para o sociólogo Rui Pena Pires, membro do secretariado do PS que defende a extinção do SEF e a dispersão das suas funções por organismos que já existem ou que venham a ser criados, se for para liderar o SEF tal como está actualmente, considera este perfil um sinal negativo porque acentuaria o lado policial, era “reforçar o que era mau”, acredita.
“O mais importante é que as funções policiais não fiquem num organismo que trata da imigração, foi isso que fez mal ao SEF”, defende. “De uma vez por todas, a documentação de imigrantes não deve estar numa força policial. O princípio é sempre o mesmo, não ter polícias, nem serviços do Estado diferentes consoante a categoria de pessoas.”
Mas “se esta nomeação tiver alguma coisa a ver com a separação de funções, tanto faz o perfil, desde que seja competente para levar até ao fim esta reforma”. Compreende, nesse cenário, a escolha de alguém com “autoridade sobre um corpo policial”. “Até percebo irem buscar um general para liderar o processo com polícias e ser interlocutor respeitado pelas partes.” Acha mesmo que a GNR seria uma força mais adequada para exercer as funções de guarda de fronteira do que a PSP, que é uma polícia urbana. “Quando é preciso fechar fronteiras terrestres é a GNR que se chama”, nota.
André Costa Jorge, director do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) e da Plataforma de Apoio aos Refugiados, considera que a escolha de um GNR aponta, de facto, para a manutenção de uma dimensão policial do SEF, mas o importante é perceber exactamente que dimensão será essa e como vai funcionar. Reforça o que já afirmou ao PÚBLICO: “Defendemos o fim da ‘crimigração’ e suspeição policial sobre os imigrantes.”
Sobre o perfil que considera mais adequado para a liderança do SEF, diz que é necessário “um virar de página e uma visão humanista sobre as migrações”, que pode “ser feita por qualquer pessoa com preparação e conhecimento nesta área”. “Espero que quem liderar o SEF o faça numa dimensão dialogante e cooperante.”