Covid-19: “Teríamos de atribuir um valor muito baixo às vidas perdidas para dizer que a estratégia sueca foi ‘economicamente lucrativa’”

O economista sueco Lars Calmfors fala de como o Governo sueco entregou a gestão da pandemia à Agência Pública de Saúde, talvez para ter um bode expiatório a quem culpar.

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Vacinação contra a gripe em Trelleborg, feita no exterior para evitar a contaminação pelo coronavírus Reuters/TT NEWS AGENCY

O professor emérito de Economia Internacional da Universidade de Estocolmo, investigador do Instituto de Investigação de Economia Industrial e membro da Academia Real de Ciências da Suécia é crítico da estratégia da Suécia, mesmo do ponto de vista económico. Lars Calmfors aponta, no entanto, que os programas de apoio a empresas e agregados financiados pelo Governo funcionaram bem. E diz que em décadas de presença em debates públicos difíceis, nunca teve tantas reacções desfavoráveis.

Num artigo para o Washington Post fez um ataque à estratégia sueca com base puramente económica, fazendo contas a quanto teria de valer uma vida para haver benefício...

…Gostava de sublinhar que são mesmo “contas de merceeiro”, porque esta é uma questão de resposta muito difícil. Quanto ganhámos? Podemos olhar para o desenvolvimento do PIB, mas isto é demasiado simples, porque deveríamos comparar com o que é o que teria acontecido de outro modo, e isso não podemos saber com certeza. Claro que podemos contar os mortos, mas o número de mortos de covid não são os mesmos que os do excesso de mortalidade [comparada com a média nos anos recentes], e uma grande parte dos mortos estavam já muito doentes e poderiam ter morrido pouco depois de qualquer modo. E temos outros efeitos que são difíceis de avaliar, muitos tratamentos médicos estão com listas de espera e há consequências de saúde a longo prazo em muitos recuperados de infecções pelo coronavírus.

No fundo, quis apenas dar algumas indicações de ordem de magnitude. A minha conclusão foi que teríamos de atribuir um valor bastante baixo às vidas perdidas durante a pandemia para poder dizer que a estratégia sueca foi “economicamente lucrativa”. Em termos gerais, seria menos de um milhão de euros [nas avaliações estatísticas para decidir medidas de segurança rodoviária, o valor é mais de quatro vezes superior]. Algumas pessoas dirão que é razoável, porque quase 90% dos mortos têm mais de 70 anos. Eu não partilho esta avaliação. Acho que as vidas perdidas devem ser avaliadas com valor mais alto.

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Lars Calmfors DR

A Suécia tornou-se um porta-estandarte de quem é contra restrições, também com o argumento do efeito dramático na capacidade de muitas pessoas conseguirem sustentar-se. Na Suécia, que tem um sistema de apoio social forte, não seria uma razão para considerar mais o lado de saúde e menos o económico?

Eu teria gostado de ter visto medidas mais restritivas, incluindo um confinamento temporário de cafés, restaurantes, ginásios, lojas não essenciais, alguns locais de trabalho. E poderíamos ter feito isso porque, como diz, temos um sistema de apoio social generoso. Também temos programas de apoio tanto para empresas privadas como para agregados familiares durante a pandemia. Numa coisa o Governo acertou: pôs em marcha grandes programas de apoio suportados pelo orçamento, que podemos pagar porque a Suécia tem finanças públicas muito sólidas. E os programas acabaram por custar muito menos do que pensávamos. A dívida pública poderá não aumentar mais do que de 35% do PIB no início do ano para ligeiramente mais de 40%, o que ainda é muito baixo em termos internacionais.

Por que ficou menos caro? Houve menos pessoas a recorrer?

Essa parece ser parte da razão, mas a principal penso que é a economia estar melhor do que pensávamos. Recuperou de modo bastante rápido, o PIB deverá cair cerca de 3% este ano, apenas metade do que estimávamos no final da Primavera. Como sabe, temos uma segunda onda muito dura de momento [de covid], mas apareceu tão tarde que penso que já não terá um grande efeito no PIB deste ano. Certamente que as medidas que tomámos contribuíram para isso. Penso que no curto prazo é razoável dizer que a economia sueca ganhou com as medidas menos restritivas do que noutros países. Mas a longo prazo é ainda difícil fazer esta avaliação, porque também vai haver efeitos económicos negativos de não manter um nível baixo de transmissão do vírus. Isto quer dizer que haverá grandes ajustamentos de comportamento das pessoas que irão consumir menos, especialmente onde se exige presença física.

Precisamente por isso, muitas pessoas argumentam que há uma falsa dicotomia na escolha entre salvar a economia ou a saúde das pessoas. Qual é a sua opinião?

Sim, há muita coisa a favor deste argumento. É muito difícil desembaraçar os efeitos dos confinamentos formais dos efeitos do ajustamento espontâneo de comportamento das pessoas. Esta é uma questão problemática de investigar. Se olharmos para países que tiveram confinamentos duros, podemos ter menos ajustes espontâneos de comportamento. Mas esta questão é mesmo complicada de analisar porque os que impuseram restrições estritas fizeram-no, geralmente, como resposta a uma transmissão já alta do vírus, por isso, como sabemos o que causou o quê?

Estamos a falar dos efeitos económicos, mas visto de fora, o Governo não parece ter invocado o argumento económico, ou isso foi um ponto falado e menos relatado fora do país?

Tem pelo menos parcialmente razão. Nunca foi bem explicado porque escolhemos a estratégia que seguimos. O Governo afastou-se e praticamente seguiu os conselhos da Agência Pública de Saúde, assinando por baixo. A agência não tem sido muito transparente. Às vezes os seus responsáveis parecem ter tido o objectivo de chegar depressa à imunidade de grupo, ao permitir grande transmissão do vírus - eles vão negar isto, mas algumas das suas declarações apontam nesse sentido. Outras vezes, sublinharam que a estratégia deve ser sustentável no tempo e, por isso, as medidas não podem ser demasiado duras. Por vezes, negaram que tenham sido feitas considerações económicas, mas noutras ocasiões sublinharam as vantagens económicas que pensam que a estratégia trouxe. Acredito que todas estas considerações tiveram um papel.

Por que acha que o Governo assinou por baixo as recomendações da Agência Pública de Saúde?

Uma pandemia é uma questão política nova, e os políticos estão habituados a discutir economia mas não uma pandemia. Outra possibilidade é que prefeririam não ter a responsabilidade e ter um bode expiatório potencial. Outra coisa muito estranha é que a oposição não protestou. Houve muitas críticas da comunidade científica, que poderiam ter sido usadas pela oposição para atacar o Governo. Mas isso não aconteceu, o que é muito pouco habitual.

Vou contar uma coisa mais pessoal. Há cerca de 50 anos que estou no debate público. Já discuti muitas questões controversas. Mas nunca recebi tantas reacções, comentários, emails, dizendo para me calar. Penso que muitas pessoas não querem sequer pensar que as autoridades podem não estar a fazer o correcto.

Acho que a oposição deve ter visto isto nas suas sondagens e percebido que, politicamente, é melhor apoiar o Governo. E pôde ver-se isso, por exemplo, na Primavera, apesar do número de infecções ter aumentado, o apoio ao Governo também aumentou. E agora parece estar a passar-se o mesmo, pelo menos segundo uma sondagem recente.

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