Covid-19: Estudo revela que jovens das cidades têm a maior proporção de seropositivos
Ao estimar uma prevalência de 1,9% de seropositivos na população portuguesa, estudo serológico dá indicação de que o número de habitantes que já terão tido contacto com o vírus ascenderia até Outubro a cerca de 195 mil pessoas, cerca do triplo do número de casos positivos registados. Projecto coordenado pelo Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes ofereceu testes gratuitos a mais de 13 mil pessoas.
O Painel Serológico Nacional, coordenado pelo Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM) com o objectivo de avaliar a prevalência de anticorpos contra o SARS-CoV-2 na população portuguesa a partir de uma amostra de 13 mil voluntários, permitiu estimar em 1,9% a prevalência da infecção associada à covid-19 na primeira vaga da pandemia. Os resultados divulgados esta sexta-feira revelam ainda que é no grupo dos jovens com menos de 18 anos e que vivem em zonas densamente povoadas são onde se encontra a maior proporção de seropositivos. Se na população em geral, o estudo mostra que um em cada 50 portugueses teve contacto com o vírus, neste grupo etário dos mais novos os valores já são de um em cada 30. Por outro lado, os resultados do painel indicam ainda que o grupo profissional mais exposto é, sem surpresas, o dos profissionais de saúde com o dobro da média nacional, ou seja, cerca de 4%.
Em declarações ao PÚBLICO, o coordenador do painel e investigador no IMM, Bruno Silva Santos, confirma que a estimativa de prevalência de 1,9% é um valor baixo, mas é também “uma prova formal de quanto Portugal conseguiu realmente achatar a curva na primeira vaga”. No documento com os resultados do estudo, podemos ler ainda que “ao estimar uma prevalência de 1,9% de seropositivos na população portuguesa, o Painel Serológico dá indicação de que o número de habitantes que já terão tido contacto com o vírus ascenderia até Outubro a cerca de 195 mil pessoas, cerca do triplo do número de casos positivos registados”.
Segundo Bruno Silva Santos, as colheitas para este estudo foram feitas entre Setembro e Outubro e, desta forma, cobriram “as infecções desde o período de confinamento, desconfinamento e as próprias férias”. “Isto mostra que só um em cada 50 portugueses entrou em contacto com o vírus durante estes meses”, conclui, sublinhando que estes valores mostram que “os portugueses controlaram a pandemia de uma forma bastante notável na primeira onda”. O aplauso é necessário sobretudo neste altura em que é preciso motivar de novo apertar as regras e erguer barreiras na sociedade e nas famílias para conter a infecção e, agora, controlar a segunda vaga.
Além do baixo valor de prevalência, o investigador destaca ainda a “variação com as densidades populacionais”, ou seja, é nas grandes cidades de Lisboa e do Porto que encontramos as zonas com maior contacto com este vírus. Mas, nota Bruno Silva Santos, outro dado importante é o facto de os jovens aparecerem com uma grande proporção de seropositivos, mostrando que, em vez de um em cada 50 como se conclui na população em geral, teremos aqui um seropositivo em cada 30. O painel não explica porquê nem como, mas Bruno Silva Santos arrisca dizer que o facto de serem muitas vezes assintomáticos a esta infecção pode levar estes jovens a sentir “menos necessidade de autoprotecção e, por isso, relaxar nas medidas”.
Porém, o dado sobre os jovens leva o coordenador deste projecto a fazer o aviso para a transmissão dentro de casa, nas famílias. Tanto mais que o painel também mostrou que “a proporção de pessoas seropositivas com um familiar em casa diagnosticado com covid era de um em cada três, enquanto no caso dos que eram negativos era de apenas um em cada cem”. Ou seja, especifica, 27% dos seropositivos têm mais alguém em casa positivo e dos negativos só por 1% é que tinha alguém seropositivo em casa. “Isto mostra bem a importância da transmissão em casa, o que é também importante nesta quadra do Natal para as pessoas terem a noção de quão importante são as medidas sugeridas de controlo”, sublinha Bruno Silva Santos, que reforça ainda que este estudo mostrou que os mais jovens que vivem em zonas com grande densidade “terão sido possivelmente os maiores transmissores aos outros grupos”.
O documento com os resultados deste trabalho refere que “o grupo dos mais jovens das regiões com alta densidade populacional destaca-se com 3,2%, uma taxa pontual quase dez vezes superior à dos jovens das baixas densidades populacionais, sendo que do ponto de vista estatístico esta diferença é de pelo menos o dobro (com uma confiança de 95%).
Os resultados do projecto confirmaram ainda, como era esperado, que “há mais seropositividade nos profissionais de saúde”. “Aí a incidência é de 4%, é o dobro da média nacional, portanto não há dúvida de que estão mais expostos”, refere o cientista, notando também que este é o único grupo profissional que mostrou uma tendência significativamente superior. Por outro lado, no que se refere ao grupo da população menos exposto ao vírus, os investigadores concluíram que os reformados que estão em casa são os que, apesar de tudo, parecem estar mais protegidos.
Além do teste serológico, o painel também inclui um inquérito clínico que também levou a algumas conclusões. “Por exemplo, as pessoas muitas vezes confundem os sintomas desta doença porque não são muito específicos. Mas no estudo os três sintomas que se agregam de forma estatística são a perda do olfacto e paladar, a febre e a tosse seca”, diz Bruno Silva Santos.
Depois do retrato conseguido da primeira vaga com a ajuda de mais de 13 mil voluntários que quiseram participar no projecto – que é uma das acções realizadas com um apoio de dois milhões de euros da Sociedade Francisco Manuel dos Santos e do Grupo Jerónimo Martins – vai continuar. Assim, o objectivo da equipa é em Janeiro realizar uma nova recolha a dois mil dos voluntários que na primeira fase tiveram um resultado negativo e ver se, entretanto, tiveram contacto com o vírus. Por outro lado, um grupo de 300 voluntários que revelam estar seropositivos também vai continuar a ser acompanhado para a análise de outras varáveis deste problema, como a duração da imunidade (que pode ser confirmada pela presença ou não de anticorpos) e a eventual existência de queixas a longo prazo dos sintomas da doença.
E que taxa de prevalência o coordenador do projecto espera encontrar em Janeiro naquele que já será o retrato desta segunda e bem mais forte vaga de infecções? “Pelo menos o dobro, senão o triplo. Ou seja, algo que vai corresponder a mais de meio milhão de portugueses. Mas vamos ver, vamos ver. É muita futurologia para um cientista.” Outra questão importante que se colocará a seguir, com o arranque da vacinação, é a construção da imunidade do grupo, outro indicador que esta equipa de cientistas também quer acompanhar.