Eutanásia está quase votada mas regra que a legaliza fica para o fim
Discussão na especialidade continua nesta quinta-feira (com o CDS a votar contra tudo e o PSD a abster-se), mas a votação final global só deve subir ao plenário já durante a campanha eleitoral para Belém.
O tema é delicado e os partidos não querem “atropelar-se” uns aos outros, por isso decidiram adiar para o fim do processo de votação na especialidade o artigo mais importante do regime de despenalização da morte assistida: aquele que define em que circunstâncias a antecipação da morte, praticada ou ajudada por profissionais de saúde, não é punível judicialmente. Ou seja, o cerne da questão da eutanásia.
Este é o segundo artigo do corpo do diploma e devia ter sido votado no dia 9, mas acabou por ser adiado porque os partidos não se entenderam na hora de decidir sobre as várias propostas de alteração do Bloco de Esquerda, Partido Ecologista Os Verdes e Iniciativa Liberal e o texto de substituição elaborado pela socialista Isabel Moreira a partir dos cinco projectos de lei aprovados no final de Fevereiro. Por exemplo, os deputados deverão recusar a pretensão da Iniciativa Liberal de consagrar no texto que o doente tem que padecer de “lesão definitiva por período superior a seis meses”, mas é bem possível que concordem em que o acesso à eutanásia se limite a cidadãos nacionais ou a residir legalmente em Portugal, como propõe o BE.
O texto de substituição do PS estipula que se passe a considerar eutanásia não punível a “antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”. Tem que obedecer a um “procedimento clínico e legal, correspondendo a uma vontade actual, séria, livre e esclarecida”, e o pedido do doente pode ser livremente revogado a qualquer momento.
O BE pretende que fique definido que esse sofrimento seja “intolerável” e que só possam aceder a este instrumento os cidadãos nacionais ou legalmente residentes em Portugal. Já o PEV quer que no corpo da lei fiquem estabelecidas (e provadas) condições cumulativas para o pedido – que seja sério, livre, pessoal, reiterado, actual, expresso e esclarecido. E a IL insiste na questão da lesão por mais de meio ano.
Reabrir ou não processo depois de recusa
Há ainda outras matérias em que os partidos representados no grupo de trabalho sobre a despenalização da morte medicamente assistida não se entendem. Uma delas é a possibilidade de vedar a eutanásia aos doentes maiores acompanhados ou sobre os quais haja algum pedido de interdição devido a avaliação psicológica, porque isso pode abranger situações tão díspares como vício de jogo ou uma doença como o Alzheimer, em que o nível de capacidade de um cidadão decidir sobre si próprio é diferente. Se esta questão foi adiada, os deputados votaram já (mas com a promessa de afinarem a redacção) uma regra que proíbe a candidatura à eutanásia a doentes alvo de processo judicial que vise a declaração da sua incapacidade ou a suspensão da eutanásia, se houver entretanto a apresentação de um processo dessa natureza.
A outra questão muito debatida foi a da possibilidade (ou não) de abertura de um novo processo para autorização de morte medicamente assistida quando há um parecer negativo do médico orientador, do médico especialista ou do médico especialista em psiquiatria que dão aquele processo por encerrado. Há partidos que admitem que o doente possa pedir a abertura de um novo processo e outros que consideram que uma negativa do psiquiatra deve excluir esse doente para sempre.
A parte do texto já aprovada mantém a regra de interromper o processo de eutanásia se o doente ficar inconsciente e só se realizar, se este recuperar a consciência e mantiver a decisão. Foi recusada a proposta do BE para manter a eutanásia se o doente tivesse declarado no testamento vital que pretendia a morte mesmo se ficasse inconsciente. Sobre os locais autorizados, a escolha cabe ao doente, tendo sido rejeitada a proposta do PEV para que só pudesse ser no SNS e também a da IL que permitia que fosse no domicílio do doente.
PSD abstém-se e IL consegue aprovar muitas alterações
Apesar de em Fevereiro terem sido aprovados na generalidade os diplomas do BE, PAN, PS, PEV e IL, e de a deputada Isabel Moreira ter feito um texto de substituição que pretendeu fundir os princípios comuns que funciona também como a proposta de alteração socialista, só o BE, o PEV e a IL apresentaram propostas de alteração, pretendendo incluir no texto final questões que estavam nos seus projectos e de que não abdicam. Até agora, a IL tem conseguido fazer aprovar grande parte das suas propostas de alteração.
O PSD, que viu a bancada votar de forma dividida em Fevereiro (a maioria votou contra, mas uma dúzia, incluindo Rui Rio votou a favor e meia dúzia absteve-se), está a abster-se em todas as votações. E o CDS, que é contra a despenalização da eutanásia, tem votado contra praticamente todas as propostas. As excepções foram o voto a favor de uma proposta de alteração da IL que estipula que ao doente que se candidata à eutanásia é sempre garantido, caso pretenda, o acesso a cuidados paliativos; e a abstenção na norma que será votada nesta quinta-feira que consagra a objecção de consciência dos profissionais de saúde.