Representantes de lares não recomendam saída de idosos no Natal, mas instituições têm “autonomia”

Sem orientações específicas relativas a saídas de idosos dos lares no Natal, representantes do sector optam por não recomendar idas a casa. Presidente da ALI reconhece que “isto é muito violento para todos, para as famílias, idosos”, e que “estão todos muito carentes de beijos e abraços”: “Mesmo assim, apesar disso, é o mais recomendável”.

Foto
Paulo Pimenta

A Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso (ALI), que representa parte dos lares privados, já enviou um email aos associados deixando claro que não recomenda a saída dos idosos no Natal, embora ressalve que a decisão final cabe a cada instituição. No mesmo sentido vai a recomendação da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).

Pese embora a autonomia das instituições, recomenda a CNIS que devem ser evitadas as deslocações dos utentes a casa de familiares para os convívios natalícios e/ou de Ano Novo – recordar que, se tal acontecer, deverá ser acautelado, aquando do regresso do idoso ou da pessoa com deficiência, que ficam descartadas as possibilidades de infecção e de futuro contágio. As consequências podem ser devastadoras, não apenas para aquele utente em concreto, mas para todos os outros e para os trabalhadores”, lê-se no documento, no qual se recomenda “o enriquecimento e ajustamento dos anteriores programas de comemoração do Natal e festivos do Ano Novo, alargando o horário das visitas” e aumentando o número de visitas, permitindo prendas, reforçando o recurso às videochamadas, sensibilizando “a comunidade para alegrar os idosos com música, ranchos, coros e teatro desenvolvidos no exterior do edifício, festa de Natal e celebrações religiosas transmitidas aos familiares nas redes sociais, e tantas outras iniciativas que cada um saberá encontrar”.

No documento da CNIS, alerta-se que “esta decisão cria responsabilidades acrescidas aos ERPI [estruturas residenciais para idosos] e aos lares residenciais na organização e nas comemorações do ‘Natal dentro do Lar’, sempre no respeito de todas as regras de higiene e distanciamento já em vigor”. Mas nota igualmente que “vale a pena um esforço acrescido para não se criarem agora circunstâncias com reflexos em Janeiro, difíceis de serem encaradas e ultrapassadas”.

Na nota emitida, a CNIS reconhece que o “isolamento, confinamento, medo e privação dos contactos afectivos com as pessoas de maior referência para os utentes têm provocado situações de tristeza e depressão com impacto na saúde mental” e que, com o aproximar da “época de Natal e de Ano Novo”, a “vontade das famílias e dos utentes é que tenham finalmente oportunidade de se juntarem nas comemorações familiares”.

Apesar desse reconhecimento, deixa o aviso: “Consideramos que as saídas, em especial nesta época de Natal, constituem um aspecto muito importante da manutenção das referências e do equilíbrio físico e mental dos residentes na instituição. No entanto, os contactos com pessoas fora deste espaço aumentam o risco de exposição da pessoa residente ao vírus responsável pela covid-19 e, eventualmente, de outros residentes que possam vir a ser infectados, no regresso à instituição.”

Também a ALI já fez circular uma recomendação por email aos associados. “Na ausência de resposta da Direcção-Geral da Saúde (DGS) a um pedido de orientações, fizemos uma recomendação no sentido de restringir a saída dos idosos para irem casa no Natal e no Ano Novo. Basta um ter um problema para pôr em risco todos os outros”, disse ao PÚBLICO o presidente da ALI, João Ferreira de Almeida.

Este responsável salienta que é só uma recomendação, admite que haverá “alguns” lares, “não serão muitos”, com mais condições, mais quartos para isolamento, por exemplo, para permitir a saída de idosos nesta quadra, do que outros, e nota que cada instituição “tem a sua autonomia”. Refere que os idosos têm saído em situações específicas, como tratamentos de saúde, mas que aí “tem mesmo de ser”. O dirigente reconhece, no entanto, que “isto é muito violento para todos, para as famílias, idosos”, e que “estão todos muito carentes de beijos e abraços”: “Mesmo assim, apesar disso, é o mais recomendável”, defende.

No email que enviaram aos associados, a ALI recomenda que, “até que haja algum parecer sobre esse assunto”, “o melhor para todos, idosos, trabalhadores e famílias, será não haver saída dos idosos para confraternizar com famílias e amigos nesta quadra”, sob pena de se estragar “todo o trabalho e grandes sacrifícios” que têm vindo “a fazer desde o início da pandemia”.

“Sabemos que será difícil e que alguns familiares não irão compreender, mas temos de os fazer ver que esta é a decisão certa para não pormos em causa a saúde e a vida de todos dentro do lar. Além de pensarmos em cada um individualmente, temos também de pensar em todos em conjunto, e que basta um para tudo se complicar”, lê-se ainda no documento, no qual se acrescenta que se trata “de um ano atípico e que esta será também uma comemoração atípica, sendo óbvio que a decisão caberá sempre a cada residência”.

Isolamento e testes no regresso ao lar

Já o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos, disse ao PÚBLICO que a União das Misericórdias não vai emitir recomendações próprias sobre o tema: “Seguimos as orientações gerais da DGS.” E acrescentou: “Permitir, permitimos que os idosos saiam, mas depois, no regresso, têm de cumprir isolamento, e cada instituição tem de ver se tem essas condições”, alertou, salientando que se falará com os familiares e decidirá caso a caso.

Tanto o presidente da CNIS, o padre Lino Maia, como João Ferreira de Almeida, e Manuel Lemos dizem desconhecer orientações para que os idosos não possam sair dos lares, referindo que saem, por exemplo, para tratamentos médicos, mas notando que podem ter de fazer períodos de isolamento no regresso e, até, testes. Lino Maia alerta, porém, que não é “praticável” para a maioria dos lares ter quartos disponíveis para acautelar os isolamentos necessários nas saídas para o Natal. “Esta tomada de posição da CNIS, penso que é sensata e de cuidado. Não nos queremos pôr acima de ninguém”, afirmou.

O presidente da ALI nota que existem regras para as visitas e para a admissão de novos utentes e, quanto a saídas, o que tem acontecido, de forma geral durante a pandemia, é que, na prática, os idosos “só têm saído por motivos de saúde”.​ Também Manuel Lemos explica: “Não existe uma orientação específica que diga que os idosos não possam sair dos lares, mas há regras para o regresso e, por isso, na prática os idosos não têm saído, a não ser para tratamentos médicos. Alguns idosos que façam diálise três vezes por semana, por exemplo, estão sempre em quartos de isolamento.”

DGS sem “regras específicas”, apenas “genéricas”

A 7 de Dezembro, contactada pelo PÚBLICO sobre o tema do Natal, a DGS respondeu: “Não está prevista a criação de uma orientação específica para a época do Natal. As estruturas residenciais para idosos, em articulação com as autoridades de saúde podem decidir sobre o regime de visitas da instituição, cumprindo sempre as regras sanitárias”. Mas não referiu especificamente se são permitidas saídas para passar a data em casa de familiares. O PÚBLICO voltou a questionar a DGS sobre o tema, bem como o Ministério da Segurança Social, mas este último limitou-se a remeter para as declarações que o subdirector-geral da Saúde, Rui Portugal, proferiu na habitual conferência de imprensa sobre a evolução da pandemia no país.

Quando questionado nesta terça-feira sobre o tema, Rui Portugal disse que, “em relação aos equipamentos residenciais para pessoas idosas, as regras básicas devem manter-se”. “E as regras básicas são, obviamente, específicas de um local para outro”, afirmou, referindo que, tendo em conta os diferentes níveis de risco, as medidas podem “ser diferenciadas de um concelho relativamente a outro”. Assim, continuou, as estruturas que “estão instaladas nuns e noutros concelhos poderão ter regras próprias”, no sentido “de terem maior ou menor abertura em relação àquilo que é uma gestão de risco muito própria, em termos geográficos e em termos dessas mesmas populações”.

Rui Portugal frisou que a DGS “não tem regras específicas relativamente à quadra festiva, a não ser as regras genéricas”. E notou: “Teremos maior apetência para fazer visitas nessas mesmas instituições, será de todo aconselhável que essas mesmas visitas, se se puderem fazer, sejam feitas com toda a segurança.”

O responsável acrescentou ainda: “É uma questão de bom senso e da particularidade de cada um dos equipamentos em si, uns podem receber mais visitas, outros, se calhar, não podem receber visitas, quer por questões geográficas, quer por questões naturalmente de infra-estrutura e de desenho desses próprios lares e, nessa perspectiva, é uma questão de nível local.”

Noutros momentos da conferência de imprensa e sobre outros tópicos que não em particular os lares, mas dentro do tema do Natal, Rui Portugal insistiu na questão do distanciamento físico que “deve ser escrupulosamente realizado”, notando que, se uma casa não tiver “condições de segurança” (mais espaço) que protejam os “mais vulneráveis” ou aqueles que não sejam os coabitantes, deve repensar-se “seriamente” se se quer “juntar as pessoas, naquele momento, naquele dia” ou se se opta por outra solução, como “uma pequena visita sem refeição em que a pessoa conversa com tempo limitado, devidamente distanciado” e com “criatividade”.

Rui Portugal também mencionou, entre dez conselhos deixados para esta quadra, que se deve, preferencialmente, limitar todas as celebrações e contactos ao agregado com quem se coabita, estabelecendo contacto com outros membros por meios digitais, como computadores e telefonemas, “ou optando por visitas rápidas nos quintais” ou “no patamar das escadas dos prédios de uns e de outros”.

Notícia actualizada às 18h30 com declarações de Rui Portugal

Sugerir correcção
Comentar