O Governo dos chefes de gabinete
Começa-se nas juventudes socialistas, continua-se nas assessorias, sobe-se a chefe de gabinete e com sorte e falta de concorrência lá se há-de chegar, no mínimo, a uma secretaria de Estado.
Nesta terça-feira, dois novos secretários de Estado tomaram posse com a solenidade e o entusiasmo de quem sacode o pó numa travessia do deserto. Não é de agora, mas as mudanças de titulares de cargos no segundo Governo de António Costa revelam um projecto de poder esgotado num regime cada vez mais dependente de uma elite partidocrática. Os números avançados pelo PÚBLICO confirmam-no sem margem para dúvidas: do elenco deste Governo, 18 personalidades já passaram pela chefia de um gabinete. A elipse fica assim irremediavelmente confirmada: começa-se nas juventudes socialistas, continua-se nas assessorias, sobe-se a chefe de gabinete e com sorte e falta de concorrência lá se há-de chegar, no mínimo, a uma secretaria de Estado.
O problema é muito grave (e em causa não estão as competências ou a dedicação das pessoas em causa) e não é exclusivo do PS. Quem olhar para o que é hoje o PSD ou o CDS do ponto de vista de capacidade de reflexão, de experiência profissional ou de densidade técnica ficará com saudades de outros tempos. Depois de vários anos de encerramento ao exterior e de comportamentos dignos de clãs ameaçados, os partidos funcionalizaram-se ao ritmo de golpes de bastidores, de combate à inteligência e à liberdade crítica. Sem lugar nem vontade de recuperar os “estados gerais”, o PS distancia-se da realidade, recupera dogmas do PREC (veja-se o discurso do novo líder da JS e assessor de António Costa) e já só consegue recrutar entre o pessoal dos gabinetes e os boys ávidos de jobs; o PSD ainda ensaiou uma abertura aos seus históricos através de um conselho consultivo, entretanto remetido a um discreto silêncio.
O afunilamento dos partidos que esta mini-remodelação do Governo confirma é um sistema político que se fossilizou e perdeu a ligação ao mundo da academia ou da economia. Mas é também culpa de todos nós. Do Ministério Público que nos últimos anos se especializou em indiciar políticos que jamais viria a acusar; dos populistas como o Chega que acham que o mal está “nestes políticos” e a redenção no seu envio para o purgatório; e de muitos jornais e jornalistas, que caíram vezes de mais na tentação de encarar ministros ou deputados como culpados até prova em contrário. Sendo culpa repartida, convém não perder o foco e assacar as culpas a quem mais as tem: aos partidos e aos seus directórios, cada vez mais refugiados numa cápsula onde não deixam entrar o mérito, a experiência ou o saber, que tanto servia para sublinhar a sua eventual mediocridade, como para inventar melhores soluções para os problemas do país.