A matemática da perda de peso, cultura científica e alterações climáticas
Num mundo tão complexo – mas, ao mesmo tempo, tão rápido e simplificado – estamos todos sem tempo. Só nos interessa algo prático, para uma vida mais rápida, mais produtiva e imediata. Mas a sabedoria, ao contrário da informação, precisa de tempo.
A 24 de Novembro assinalou-se o Dia Nacional da Cultura Científica. Enquanto vivemos uma situação epidemiológica gravíssima, há muitos médicos que lutam por se fazer entender – numa semelhança amarga com os cientistas climáticos.
Mas o que se passa connosco? Por que nos é tão difícil levar conselhos científicos a sério? Pessoalmente, acho que num mundo tão complexo – mas, ao mesmo tempo, tão rápido e simplificado – estamos todos sem tempo. Só nos interessa algo prático, para uma vida mais rápida, mais produtiva e imediata. Mas a sabedoria, ao contrário da informação, precisa de tempo. A obsessão pelo conhecimento também mantém os cientistas afastados da sabedoria. A ciência moderna faz-se de saber cada vez mais sobre cada vez menos. Por isso, há poucos cientistas a fazer perguntas idiotas, mesmo que da idiotice nasça a ideia. Não quero com isto dizer que a especialização não seja fundamental para o progresso científico. Mas há muito desinteresse em fazer perguntas simples. Nos últimos seis meses tenho feito uma experiência. Perguntei a várias pessoas de diversos níveis académicos:
- Quando perdemos peso, para onde é que o peso vai?
Doutorados, médicos, professores do ensino secundário… umas 30 pessoas muito especializadas e outras menos. Até agora, independentemente do grau de formação, só obtive uma resposta certa: uma aluna do secundário.
A pergunta está meio errada; na realidade não perdemos peso, perdemos massa e essa massa é matéria, são moléculas que fazem parte de nós. Muitas pessoas respondem que a massa “sai” sob a forma de energia. Bem, toda a energia que gastamos existe nas ligações entre átomos. Mas uma vez desfeitas essas ligações, as moléculas e átomos que nos fizeram levantar pesos continuam no mesmo sítio. Então?! Só pode sair pelo sítio “onde as costas mudam de nome”, como diria José Saramago. Ou pela urina. Mas não, a excreção por uma via ou outra é mínima e não representa perda de peso significativa.
Qualquer molécula de gordura que tenhamos tem apenas três elementos químicos: carbono, hidrogénio e oxigénio. As proporções podem variar, mas normalmente falamos da molécula C55H104O6. Diferença entre obesidade e magreza? C55H104O6. E como é que nos livramos dela? Através de uma seguinte reacção química.
Neste processo liberta-se energia, que não tem unidades de massa. O número de átomos (massa) nos dois lados da equação é igual, sem espaço para invenções. A energia armazenada na gordura libertou-se em calor ou movimento, mas não representa perda de massa. Essa perda está no ar que expiramos, no CO2. Claro que também perdemos água, grande parte em suor mas que deve ser reposta após o treino – não valem a pena as corridas de casaco vestido no pico do Verão. Feitas as contas, 84% da massa é expirada (dióxido de carbono) e 16% é excretada (água). Ou seja, por cada 10 quilogramas de gordura, expiramos 8,4 de CO2. Parece-me uma química irrefutável: comer saudável e mexer-se mais. Ponto.
Mas, repito: alguém que perca 10 quilos transformou 8,4 quilos do seu corpo literalmente em gás. Inspiramos oxigénio e expiramos dióxido de carbono, há quanto tempo sabemos isso? Certamente há muito, mas deixámos de nos surpreender com algo tão incrível. O dióxido de carbono expirado irá ser usado pelas plantas, na famosa fotossíntese. É ali que acontece o processo inverso: o CO2 atmosférico é novamente transformado em açúcares. Sejamos vegetarianos ou não, toda a energia que consumimos vem de plantas. São conceitos da escola básica, mas é preciso humildade para fazer perguntas parvas. Vivemos num mundo em que não há tempo para perguntas simples.
Mais grave do que isto, contudo, é o comentário se segue: “Então, sendo assim, perder peso contribui para as alterações climáticas!” Isto revela que ainda não existe uma consciência profunda sobre os problemas climáticos. O carbono que expiramos foi absorvido por plantas há alguns anos ou décadas. Na queima de combustíveis fósseis estamos a pôr carbono na atmosfera que foi enterrado há milhões de anos. Esta energia “fóssil” contém carbono que há poucos séculos estava indisponível ao ser humano. Ao armazenar carvão e petróleo (entre outros) a grandes profundidades, a Terra manteve-se a uma temperatura amena e relativamente estável – até agora.
Tudo isto está muito simplificado, não estamos a considerar outros gases de efeito de estufa, como o metano, ou alterações do uso do solo. Mas é fundamental distinguirmos carbono de origem fóssil e carbono que existe naturalmente à superfície a que podemos chamar “carbono vivo”, cujo ciclo é a música desta dança da vida na Terra.
Um estudo da Proceedings of the National Academy of Sciences estima a biomassa (em “carbono vivo”) de todos os seres vivos e, claro, quem ganha são as plantas. Nós, humanos, representamos uma ínfima parte desta matéria, mas quase duplicámos a concentração de dióxido de carbono na atmosfera em relação ao pré-revolução industrial.