Polícia teve várias semanas para evitar assalto a Tancos. Não agiu porquê?

Inspector da Judiciária foi ouvido como testemunha no julgamento. “Também já fui militar. E sei qual é o ar que se respira de uma cancela para dentro”, declarou no tribunal de Santarém.

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Tribunal de Santarém Daniel Rocha

A polícia teve várias semanas para evitar o assalto aos paióis de Tancos. Não agiu porquê? Lançada pelo advogado de dois dos arguidos do caso, a pergunta ecoou esta segunda-feira na sala de audiências do Tribunal de Santarém, onde está a decorrer o julgamento do processo, sem que uma resposta muito esclarecedora surgisse da parte do inspector que dirigiu a investigação na Polícia Judiciária.

Foi a meio de Março de 2017 que um dos homens arregimentados para levar a cabo aquele que viria a ser um dos maiores roubos de material militar das últimas décadas em Portugal, Paulo Lemos, mais conhecido por Fechaduras, dada a sua facilidade em abrir portas alheias, denunciou a uma procuradora do Porto o audacioso plano que os seus comparsas haviam de concretizar mais três meses depois: assaltar os paióis. 

Conhecido da magistrada de outros processos, Fechaduras terá sentido que lhe retribuía assim um tratamento justo que no passado tinha recebido da sua parte. Além de lhe ter falado da forma como o ex-fuzileiro João Paulino o tinha arregimentado para abrir as portas dos paióis de Tancos, Paulo Lemos deu-lhe a sua morada e o seu número de telemóvel. Só não lhe disse o local exacto onde seria cometida a proeza, tendo mencionado apenas que seria levada a cabo em instalações militares num perímetro de 60 quilómetros em redor de Leiria ou de Fátima.

Na posse destas informações, teria sido possível às autoridades evitarem o assalto? O advogado do ex-fuzileiro Melo Alves não tem dúvidas: claro que sim. Mas o que se passou então para que isso não tivesse acontecido? Apesar de ter esclarecido alguns aspectos desse processo, vários outros continuaram na penumbra depois do depoimento prestado em tribunal pelo inspector-chefe José Luís, da Unidade Central de Combate ao Terrorismo. O polícia nem sequer admitiu aquilo que já é considerado como um facto indesmentível neste caso: que Fechaduras era há muito informador da Judiciária.

Depois de ter sido avisada por Paulo Lemos de que o assalto estava em preparação, passaram pelo menos duas semanas até a procuradora passar a informação adiante. Para isso recorreu a um inspector da Judiciária de Vila Real, Hugo Chantre, que, por seu turno, comunicou tudo aos colegas do Porto e, segundo garante, também a um responsável da Judiciária Militar, o major Pinto da Costa. Mas nada disto ficou registado por escrito, e este último nega ter recebido semelhante alerta. “A informação devia ter sido imediatamente reduzida a escrito”, admite José Luís. Ainda assim, “ele disse que a informação foi passada. Competia a quem a recebeu fazer qualquer coisa”.

Sucede que, em vez de montarem vigilâncias ao suspeito, os inspectores do Porto optaram por solicitar autorização para desencadearem escutas. E pelo menos dois juízes de instrução não as autorizaram. “O pedido andou a saltitar de tribunal para tribunal. E a informação dada por Paulo Lemos era muito vaga”, justifica o inspector José Luís. Além disso, acrescentou, a PJ nem sequer tinha assim tanta confiança na veracidade do que Fechaduras tinha contado. A explicação valeu-lhe um epíteto pouco agradável por parte do defensor de outro militar, o advogado Cruz Campos: “O senhor é um inspector de pantufas!”.

Mais de três meses depois do aviso de Fechaduras, na madrugada de 27 para 28 de Junho, Paulino e os seus comparsas introduziram-se no recinto militar de Tancos, entraram nos paióis e levaram o que puderam consigo, sobretudo explosivos e munições. Ao contrário do que contou João Paulino, segundo o qual escolheram os paióis ao acaso, o inspector ouvido esta segunda-feira assegura que os assaltantes sabiam bem ao que iam e só abriram os armazéns e os compartimentos dentro destes que guardavam o material mais vendável.

Esta testemunha não escondeu a deterioração no relacionamento entre a Judiciária civil e a militar ao longo do processo de Tancos. Quando o material foi recuperado na Chamusca e levado para o campo militar de Santa Margarida pelos militares, os inspectores civis ficaram mais de quatro horas à porta deste recinto, porque não os queriam deixar entrar. Só lhes franquearam os portões quando apresentaram um mandado de busca.

Embora admitindo não ser um especialista em questões do foro castrense, o inspector José Luís recordou que apesar de tudo sempre sabe alguma coisa da matéria: “Também já fui militar. E sei qual é o ar que se respira de uma cancela para dentro”.

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