Congresso da Argentina vota legalização do aborto, desta vez com o apoio do Presidente
Partidários da lei negociaram alterações de última hora para tentar garantir a aprovação numa votação que se anuncia renhida. Se passar segue para o Senado, onde as contas são ainda mais difíceis.
Ajustes às regras habituais dos debates na Câmara dos Deputados deverão permitir poupar quatro horas à discussão. Mesmo assim, as estimativas mais optimistas apontam para que o projecto de lei da interrupção voluntária da gravidez seja votado às 4h (7h em Lisboa), 17 horas depois de iniciado o debate. Esta é a nona vez que uma lei para descriminalizar o aborto chega ao Congresso da Argentina.
O projecto, que pela primeira vez é promovido pelo Governo e conta com o apoio do Presidente, Alberto Fernández, prevê que as mulheres “e outra entidades com capacidade de gestação” possam interromper a gravidez até às 14 semanas – a lei actual, de 1921, só permite o aborto em caso de risco sério de vida para a mãe ou aborto, mas os activistas dizem que muitas vezes as meninas e mulheres não recebem os cuidados adequados.
Na rua, até que a votação esteja terminada, estarão manifestações contra e a favor da aprovação da lei prometida por Fernández em Março, na sessão inaugural da legislatura.
“Estamos confiantes de que teremos os votos… Estamos a trabalhar no consenso necessário”, disse na quarta-feira Elizabeth Gómez Alcorta, ministra das Mulheres, Géneros e Diversidade, citada pela agência oficial Télam. No mesmo dia, foram aprovadas três alterações – sobre a objecção de consciência e a autonomia de decisão das adolescentes de acordo com a idade – que terão permitido ao chamado sector “verde” (os opositores identificam-se com lenços azuis) ficar mais próximo de conseguir aprovar a lei, tanto na Câmara como no Senado (onde o “não” ainda parece contar com mais dois votos do que o “sim”).
Foi no Senado que foi chumbada a última tentativa para legalizar o aborto, em 2018, quando as sondagens mostraram uma mudança na opinião pública, com uma maioria a defender pela primeira vez a descriminalização, e o debate se instalou de vez na sociedade argentina.
Desde o regresso da democracia, em 1982, mais de 3000 mulheres morreram por complicações relacionadas com abortos na Argentina, onde todos os anos mais de 40 mil mulheres são hospitalizadas pelos mesmos motivos. Segundo uma investigação do Centro de Estudios Sociales y Legales e da Universidade de San Martín, pelo menos 73 mulheres foram criminalizadas por abortos ou procedimentos obstétricos, “a esmagadora maioria mulheres de meios sociais vulneráveis, sem trabalho remunerado, com baixo nível de instrução formal e a viver em condições precárias”.
Apesar de várias iniciativas recentes para dar às mulheres mais direitos reprodutivos em diferentes países, a América Latina continua a ter dos quadros legais mais estritos, com alguns países a proibir o aborto em qualquer caso sem excepção. Só pequenos países como o Uruguai e a Guiana, na América do Sul, e Cuba, nas Caraíbas, para além de cidades como a capital mexicana, legalizaram até agora o aborto.