Há ano e meio a circular, a carrinha de consumo vigiado em Lisboa fez mais de 3000 atendimentos
Equipas da Médicos do Mundo e do GAT – Grupo de Activistas em Tratamentos têm 191 utentes regulares registados. A grande maioria é consumidor de drogas e está em situação se sem-abrigo. Ainda assim, mais de metade dos atendimentos feitos num ano e meio não são para o consumo assistido, mas sim para acompanhamento social e de saúde.
Desde que a primeira unidade móvel de consumo assistido começou a circular em Lisboa, em Abril de 2019, foram realizados 3148 atendimentos, dos quais menos de metade (43%) foram relacionados com consumo. Os restantes são atendimentos para acompanhamento social e de saúde. No total, as equipas da Médicos do Mundo e do GAT – Grupo de Activistas em Tratamentos, que operacionalizam esta resposta, acompanham 191 utentes regulares. Destes, 74% são pessoas em situação de sem-abrigo.
Estes números, recolhidos entre Abril de 2019 e o passado mês de Outubro, foram avançados pela Câmara de Lisboa esta quinta-feira e espelham o que o município considera uma “intervenção de sucesso no terreno”. Por essa razão, nota o gabinete do vereador Manuel Grilo (BE), que tem o pelouro dos Direitos Sociais, a Unidade Móvel do Programa de Consumo Vigiado deixará de ser um projecto-piloto e passará a ser uma resposta definitiva que continuará a atender utentes nas freguesias do Areeiro, Arroios e Beato.
As salas de consumo vigiado existem na Europa há mais de três décadas e estão previstas na lei portuguesa desde 2001. No entanto, só em Abril de 2019, arrancou a primeira experiência em Portugal. E com uma unidade móvel. Começou a circular, em Lisboa, uma carrinha de consumo assistido e a estacionar primeiro na freguesia do Beato, depois em Arroios. Já este ano, decorrente da situação pandémica, a Câmara de Lisboa montou uma resposta de emergência para a população em situação de sem-abrigo no Pavilhão do Casal Vistoso, no Areeiro. Por essa razão, e também pela proximidade ao Bairro Portugal Novo, zona de tráfico e consumo de droga, a carrinha começou também a parar por ali.
Os objectivos destes espaços passam por garantir um consumo seguro às pessoas mais vulneráveis que usam drogas, reduzir o risco de overdoses, mas também fazer um acompanhamento social e de saúde.
Na carrinha branca que está desde Abril a circular sete dias por semana, além do consumo de substâncias estupefacientes vigiado por um profissional de saúde, é medida a tensão arterial, a glicemia, o colesterol. Os enfermeiros fazem também pequenos curativos e rastreios de VIH, hepatites B e C e sífilis.
Segundo os dados divulgados pelo município de Lisboa — que articula a resposta com o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) — foram realizados mais de 600 rastreios de VIH e hepatites virais, nos quais foram identificadas 70 infecções. “Uma morte por sobredosagem foi evitada e 118 pessoas foram encaminhadas voluntariamente para tratamentos e outros serviços de saúde”, refere a nota do gabinete do vereador Manuel Grilo.
Dos 191 utentes, cerca de 80% são homens, com uma média de idades que ronda os 45 anos — o utente mais velho tem 84 anos — e consomem, em média, há quase 20 anos. A grande maioria (170) consome drogas, sejam injectadas ou outras.
Além dos atendimentos, os utentes podem recolher na carrinha material de consumo, para que o possam fazer com maior segurança: em cerca de ano e meio foram distribuídas 50.379 seringas e agulhas.
Para complementar a resposta nos centros de emergência que a autarquia abriu para a população sem-abrigo, foram formados 61 técnicos para poderem identificar e actuar em situações de overdose de algum utente.
Segundo informa a autarquia, este ano foi também criada uma bolsa de pares, que envolve pessoas que usam drogas em actividades de limpeza de resíduos de consumo, divulgação do programa e sensibilização para a adesão a cuidados de saúde de outros consumidores. Desde Julho foram realizadas 27 saídas deste grupo de pares.
O Programa de Consumo Vigiado Móvel no Programa será, assim, integrado no conjunto de Respostas Integradas da Cidade de Lisboa, que será financiado em cerca de 80% pela administração central. Até estar concluído esse processo, será a Câmara de Lisboa a suportar as despesas. Por ano, o município tem alocado a este programa 183 mil euros.
Além da carrinha, está prevista a construção de duas salas fixas de consumo vigiado — uma em Alcântara e uma no Lumiar, zonas onde há maior consumo. No entanto, estas respostas estão a demorar a sair do papel. Chegaram a avançar alguns trabalhos da obra do Lumiar, que contaram com a oposição de alguns moradores que lançaram, inclusive, uma petição contra a localização.