Banco Alimentar de Beja só tem produtos para as famílias carenciadas até final de Janeiro

Suspensão das campanhas de recolha de alimentos complicou um panorama que já era grave: são cada vez mais as famílias a pedir apoio e menos géneros alimentares para distribuir.

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daniel rocha

Da primeira para a segunda vaga pandémica, o número de associações dedicadas ao apoio a famílias com graves problemas de subsistência em 13 dos 14 concelhos do Baixo Alentejo passou de 30 para 65. No seu conjunto, asseguram o fornecimento de alimentos a 2800 de pessoas, quando anteriormente o seu número quase chegava às 1800. Os números foram adiantados ao PÚBLICO pelo presidente do Banco Alimentar Contra a Fome (BACF) de Beja, Tadeu de Freitas e expõem um panorama “preocupante” que pode vir a ter um desfecho “assustador” a curto prazo, mais precisamente a partir do final do próximo mês de Janeiro.

Os pedidos chegam-nos em crescendo através das instituições de assistência dispersas pelo distrito de Beja ou através do correio electrónico”, explica o presidente do BACF. E acrescenta: O “aumento do número das famílias carenciadas” impôs um programa de emergência alimentar com a distribuição de “quase uma centena de cabazes” com vários produtos alimentares. O que verificaram, prossegue Tadeu de Freitas, “é que esses cabazes que, à partida, seriam para suprir necessidades pontuais, se tornaram mensais.” As famílias não conseguiram recuperar a sua autonomia alimentar.

Com a suspensão das campanhas de recolha de alimentos, o banco alimentar tentou atenuar os seus efeitos na escassez de produtos através do contributo de instituições locais para repor cinco alimentos considerados essenciais: conservas de atum e salsichas, papas para bebé, grão, feijão e leite.

Tadeu Freitas diz estar “preocupado” com a chamada campanha virtual, baseada nos vales de compras, aceites pelos clientes das superfícies comerciais que são convertidos em alimentos para a instituição. “A maioria das pessoas nem sabe que a campanha existe”, já constatou o presidente do BACF. Os funcionários, nas situações que observou, “não promovem os vales e assim as pessoas não dão o seu contributo.”

O presidente do BACF destaca outro condicionalismo: a data de validade dos produtos. O leite, por exemplo, tem, de um modo geral, validade de dois meses. “Quando apelámos para os contributos dos cidadãos e das empresas nas últimas semanas,” após o quase esgotamento das reservas que o banco alimentar tinha para fornecer às 65 associações, “houve várias ofertas que repuseram os stocks, mas não pudemos encher o armazém de leite”, adverte Tadeu de Freitas, frisando que nos “produtos enlatados o prazo de validade varia entre um e dois anos”, garantindo outra margem de manobra.

O Banco Alimentar de Beja precisa, mensalmente, entre 1500 e 1600 litros de leite para satisfazer as necessidades básicas das 2800 pessoas referenciadas. Há cerca de duas semanas lançou um apelo à comunidade quando a quantidade deste produto nos armazéns do BACF era de apenas 500 quilos. De imediato o Grupo de Forcados Amadores de Beja mobilizou os seus elementos e doaram quase 600 litros de leite. Por sua vez os funcionários da empresa Conta Viva com instalações em Beja fez a entrega de 450 litros. Aos cerca de mil litros de leite angariados, o banco alimentar juntou o stock de 500 litros que tinha em armazém e desta forma foi possível garantir o fornecimento de leite a quem dele precisa, mas apenas durante o mês Dezembro.

Caritas mais folgada

A situação na Caritas Diocesana de Beja está um pouco mais folgada depois de a instituição ter realizado uma campanha de recolha de alimentos em Abril com a colaboração da Associação de Olivicultores do Sul - Olivum, que angariou cerca de 330 litros de azeite. Outros contributos, nomeadamente do Grupo de Forcados de Beja, do Colégio Nossa Senhora da Conceição, do Clube Desportivo de Beja e trabalhadores da Biblioteca Municipal José Saramago em Beja, permitiram a recolha de 1600 quilos de alimentos.

“Neste momento não temos problemas prementes que dificultem o fornecimento de alimentos às pessoas que apoiamos”, disse ao PÚBLICO Isaurindo Oliveira, presidente da Caritas. No entanto, os desafios que a instituição enfrenta revelam-se nos números. “Antes da pandemia apoiávamos 350 pessoas, agora são o dobro. Estamos com 700 e a maioria no concelho de Beja”. A área de intervenção da Caritas abrange os concelhos de Beja, Ferreira do Alentejo, Cuba e Vidigueira.

Entretanto o movimento espontâneo dinamizado por trabalhadores de empresas e associações cresce no sentido de garantir às famílias carenciadas alimentos básicos. O PÚBLICO acompanhou na última semana uma campanha de recolha de produtos à entrada do campo de jogos do Clube Desportivo de Beja. Uma jovem recebia dos pais das crianças e jovens que iam treinar sacos com arroz, bolachas, enlatados, biscoitos, massas, latas de atum e salsichas, etc.   

Tania Barnabé, dirigente do Desportivo de Beja e funcionária numa instituição de apoio a famílias pobres, explicou que a iniciativa, para além da recolha de alimentos, “pretende sensibilizar a população para a importância social da partilha na altura crítica que estamos a viver.”

Entre as 18h e as 21h foram recolhendo as ofertas de alimentos dos seus associados quando iam levar os filhos ao treino. “Vivemos um tempo em que não sabemos se o nosso vizinho do lado não estará a precisar de ajuda”, salienta Tânia Barnabé.

A sua experiência profissional faculta-lhe uma visão mais precisa sobre as dificuldades que passaram a marcar a vida de muitas famílias, que “até agora tinham uma vida estável”. A experiência diz-lhe que muitas vezes as dificuldades não se assumem por vergonha ou pudor.

“Se antes da pandemia já era difícil socorrer quem é pobre, com o confinamento tornou-se dramático”, vinca a dirigente do Desportivo de Beja, retratando a realidade que observa: “Agora juntam-se analfabetos, licenciados e estudantes”, pessoas que não estão abrangidas pelo Rendimento Social de Inserção e têm de pagar rendas de casa e não têm condições para assegurar duas refeições diárias. Mais grave é quando as famílias estão confrontadas com um dilema: “O pão passou a ser prioritário em detrimento dos medicamentos”, observa Tânia Barnabé.

“As maiores dificuldades vamos registá-las em Fevereiro” antecipa Tadeu de Freitas. Depois dos acontecimentos que marcaram negativamente o apoio a Pedrogão “perdemos apoios e verificámos que quem ajudava tem agora relutância em fazê-lo por recearem que a ajuda que podem prestar não chegue a quem se destina. Já não se acredita no mediador Estado”, conclui o presidente do BACF de Beja.

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