Património histórico-artístico: para um debate necessário
Devem merecer-nos toda a atenção as sugestões do recém-divulgado estudo Património Cultural em Portugal: Avaliação do Valor Económico e Social. Mas a questão central nesta área reside no reforço e na melhoria das competências do Estado para uma intervenção patrimonial consequente.
Comecemos pelo princípio: em matéria de património cultural, cabe ao Estado português assumir, por direito constitucional inalienável, e sempre em abertura e em colaboração com os agentes públicos e privados (Igreja, autarquias, escolas, academias, universidades, empresas e outras instituições), a defesa, conservação e usufruto dos seus bens.
É bem sabido que o corpus patrimonial forma um acervo riquíssimo, particularmente sensível (ainda que muitas vezes injustamente auto-menorizado) e que, com o considerável alargamento de saberes que se verificou em anos recentes, desde históricos a arqueológicos, antropológicos, artísticos, de conservação e restauro, museológicos, etc, se torna crescente o reconhecimento dos portugueses face a essa sua poderosa mais-valia.
Os 38.015 imóveis classificados e inventariados a nível do território constituem uma sólida base histórico-artística com inerente pulmão social, ou seja, formam uma espécie de tronco identitário, é certo que descurado por vezes nas prioridades da política, mas que não tem deixado de merecer o empenho crescente dos técnicos do sector e dos públicos em geral.
Por tudo isto, leio com máximo interesse a análise avançada no recém-divulgado documento Património Cultural em Portugal: Avaliação do Valor Económico e Social. Trata-se de ambicioso estudo estratégico coordenado pelo arquitecto José Maria Lobo de Carvalho à frente de um equipa que incluiu o Observatório do Património, a Nova SBE, a Fundação Millennium e a Spira. A sua filosofia assenta no objectivo, muito louvável, de criar uma maior rentabilização turístico-cultural a nível do nosso país, com alargamento potencial de visitantes e, por inerência, com alargamento de postos de trabalho no sector. Tal realidade, segundo o estudo, passará por abrir a gestão do património a entidades público-privadas, ou apenas e só privadas, dentro do princípio de que “concessionar não é vender nem alienar”...
Aqui chegamos ao âmago da questão, e que a torna particularmente sensível: a riqueza patrimonial portuguesa, com as suas especificidades e valências plurais (sejam eruditas ou de dimensão mais “periférica"), precisa por certo de um reforço de competências do Estado democrático para melhorar a forma como decorre a sua intervenção no sector, por ser, em primeira e última instância, uma das prioridades políticas desse mesmo Estado, que não deve nem pode ser descurada. De facto, é difícil aceitar-se que as instâncias da cultura abram mão, em muitos casos de património classificado, de uma gestão pública e de um controlo dos monumentos, dos imóveis classificados e das colecções histórico-artísticas…
É certo que deve merecer-nos toda a atenção (e consensual discussão) o pacote de recomendações que este documento aduz, p. ex., “um Revive para o Património e Protecção Intermédia” (com horizonte de 25 anos), bem como várias estratégias de elencagem de candidaturas regionais a fundos europeus para o desenvolvimento territorial, que merecem ser consideradas à luz de uma sã interdisciplinaridade. A bondade de várias destas proposições é indesmentível e pode funcionar para alavancar dinâmicas pontuais de revalorização.
Mas a questão central, creio eu, reside no reforço e melhoria das competências estatais para uma intervenção patrimonial consequente (o que clarificará também todas as “estratégias para valorizar económica e socialmente” os monumentos e imóveis históricos). Ora é essa dimensão patrimonial consequente que constitui uma das exigências maiores do nosso tempo no campo das políticas públicas da cultura, em que a salvaguarda do património se integra como imperativo nacional.