Mia Couto vence Prémio Jan Michalski de Literatura com As Areias do Imperador

O júri reconheceu “a excepcional qualidade da escrita” de Mia Couto, que conjuga, “subtilmente, oralidade e narração literária e epistolar, contos, fábulas, sonhos e crenças, no seio da realidade histórica de Moçambique, no final do século XIX, na luta contra a colonização portuguesa”.

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A trilogia As Areias do Imperador foi publicada este ano em França, com tradução de Elisabeth Monteiro Rodrigues Nuno Ferreira Santos

O escritor moçambicano Mia Couto venceu o Prémio Jan Michalski de literatura, pela edição francesa da trilogia As Areias do Imperador, publicada este ano, com tradução de Elisabeth Monteiro Rodrigues, anunciou a fundação suíça esta quarta-feira.

O júri do prémio reconheceu “a excepcional qualidade da escrita” de Mia Couto, que conjuga, “subtilmente, oralidade e narração literária e epistolar, contos, fábulas, sonhos e crenças, no seio da realidade histórica de Moçambique, no final do século XIX, na luta contra a colonização portuguesa”.

“Sem nenhum maniqueísmo, o autor prima pela empatia com os protagonistas, que se confrontam com a desumanidade da guerra, atribuindo-lhes uma força épica, em concordância com a rica natureza africana”, concluiu o júri, presidido por Vera Michalski e composto pelo ensaísta francês Benoît Duteurtre, as escritoras Alicia Giménez Bartlett, de Espanha, e Siri Hustvedt, dos Estados Unidos, o novelista ucraniano Andrei Kourkov e o poeta polaco Tomasz Rozycki, além dos autores Carsten Jesten, do Canadá, e o rapper francês Jul.

A trilogia As Areias do Imperador, composta pelos romances Mulheres de Cinza, A Espada e a Azagaia e O Bebedor de Horizontes, centra-se nos derradeiros dias do chamado Estado de Gaza, o segundo maior império de África, no final do século XIX, dirigido por um africano. Ngungunyane (Gungunhana) foi o derradeiro de uma série de imperadores notáveis, que detinham o poder sobre quase metade do território de Moçambique.

Derrotado em 1895 pelas forças portuguesas, comandadas por Mouzinho de Albuquerque, Ngungunyane foi deportado para os Açores onde veio a morrer em 1906. Em 1985, os seus restos mortais foram trasladados para Moçambique.

Na trilogia, Mia Couto retoma os factos conhecidos e personagens reais, que combina com ficção, centrando-se na jovem moçambicana Imani Nsambe, educada por missionários, que serve de intérprete às diferentes facções em confronto, ligada por um amor impossível ao militar português Germano de Melo.

A obra tem por suporte a investigação do autor sobre extensa documentação existente em Moçambique e Portugal, assim como testemunhos recolhidos em Maputo e Inhambane. O título, As Areias do Imperador, remete para a lenda segundo a qual em vez das ossadas de Ngungunyane foram torrões de terra, areias, que regressaram ao seu país.

A trilogia, publicada pela francesa Métailié, com o título Les sables de l'empereur, foi editada em Portugal pela Caminho, entre 2015 e 2017.

O prémio Jan Michalski de Literatura combina o valor de 50 mil francos suíços (45.687 euros) com “uma obra de arte escolhida e encomendada em homenagem” ao laureado.

Criado pela Fundação Jan Michalski para distinguir obras da literatura mundial publicadas em francês, o prémio é atribuído a Mia Couto, cerca de um mês após a publicação do seu novo romance, O Mapeador de Ausências, que começou por ser uma homenagem à cidade da Beira, mas acabou por se tornar uma viagem ao passado do autor e às “ausências” que o marcaram para sempre, como disse à agência Lusa.

O Mapeador de Ausências tem como narrador Diogo Santiago, um prestigiado e respeitado intelectual moçambicano, que se desloca à sua cidade natal, Beira, nas vésperas do ciclone Idai, que a arrasou em 2019.

Traduzido em mais de 30 línguas, vencedor do Prémio Camões em 2013, Mia Couto foi igualmente distinguido com o Prémio Vergílio Ferreira, em 1999, com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas, em 2007, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2011, pelo conjunto da carreira.

Terra Sonâmbula foi eleito um dos 12 melhores livros africanos do século XX, e Jesusalém esteve entre os 20 melhores livros de ficção publicados em França, na escolha da rádio France Culture e da revista Télérama.

Para o Prémio Jan Michalski de Literatura, além de Mia Couto eram finalistas o franco-britânico Philippe Sands, pelo livro Retour à Lemberg, e a norte-americana Fran Ross, por Oreo, editado em Portugal pela Antígona. Sands tem publicado em Portugal Estrada Leste-Oeste - As Origens do Genocídio e dos Crimes Contra a Humanidade (Vogais).

Mia Couto sucede à autora israelita Zeruya Shalev, distinguida pelo romance La douleur, editado em Portugal pela Elsinore.