Não me ameaças com erros ortográficos

É difícil escrever tão mal com os novos aparelhos, quase todos corrigem erros básicos como aqueles que dava. É que mesmo que uma pessoa queira escrever desastrosamente, é quase impossível. Parecia de propósito tanto erro crasso.

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Jamie Street/Unsplash

Comecemos com um exemplo, e depois já vos conto a minha história: “Sei o que fizestes o Verão paçado.” Se o título do filme fosse escrito desta forma, sabíamos logo a que género pertencia. Escrever mal pode provocar riso e descredibilizar uma pessoa, mesmo uma pessoa maléfica, mas não significa que esta deixe de ser perigosa. Obviamente não é preciso saber ler nem escrever para matar, mas não será sobre este tipo de pessoas que me vou debruçar. Interessam-me as que escrevem mal e que são patéticas, fraquinhas, ridículas.

A primeira ameaça que recebi ditava assim: “Tenho fotografias vozas... 200€ por MBway amanha ou estao na imprença!!!” Ri-me, claro. E percebi pela falta de tiles que o/a chantagista, além de não saber escrever, era preguiçoso/a, ou escrevia num teclado não português, ou usava num aparelho obsoleto sem corrector ortográfico. É difícil escrever tão mal com os novos aparelhos, quase todos corrigem erros básicos como aqueles que dava.

É que mesmo que uma pessoa queira escrever desastrosamente, é quase impossível. Parecia de propósito tanto erro crasso. Também tomei nota do excesso de pontos de exclamação. Neste aspecto revelava algo sobre a sua personalidade, um certo desespero ou histeria. O que, mais uma vez, o/a tornava patético/a e risível.

Como tinha a consciência absolutamente tranquila, resolvi responder de forma assertiva: “E que tal voltar a sentar esse rabo de chantagista na escola primária?” O/a bandido/a do outro lado de um qualquer dispositivo electrónico deu a mensagem-provocação como vista, mas só respondeu horas depois. “Prontos!”, respondeu o/a energúmeno/a. “Vendi as fotos ha imprença!” Só faltava um nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, como fazem os miúdos quando querem fazer pirraça. Não fazia ideia a que raio de fotografias se referia. Será que eram fotografias minhas com o meu namorado, apanhadas à sorrelfa algures no espaço público? Ser gay ainda vendia?

De resto, não estava a ver que outras fotografias pudessem ser compradas pela imprença. Andar todo nu em casa não podia ser, tenho sempre as cortinas corridas. Fumar um ou outro charrinho pontualmente no jardim enquanto passeava o cão à noite? Isto também não vendia, nem dava para perceber numa fotografia apanhada na penumbra. A imprensa sensacionalista é bem mais gráfica; teria de estar a dar no cavalo, estendido no banco do jardim, inanimado, com o cão a lamber-me um olho ou assim. O que felizmente nunca foi a minha cena.

Bom, o/a retardardo/a que não sabia escrever, embora não me tenha levado a ceder à sua chantagem, conseguiu deixar-me inquieto durante essa noite. Na volta não havia fotografias nenhumas. Só alguém mesmo parvo, que gosta de moer o juízo aos outros. Mas não é que o/a idiota estava mesmo a falar a sério? No dia seguinte, antes de ir para o trabalho, passei por um quiosque. E voilà, eu e o meu namorado fazíamos a capa de um jornal sensacionalista.

Uma fotografia nossa em calções de banho na praia a dar um beijo na boca. As parangonas anunciavam o escândalo homossexual, como se alguém ainda ficasse chocado com isso. Se calhar fica, mas eu é que não quero saber, vivo muito bem com a minha orientação sexual. Comprei o jornal para ler o que diziam. Isso, sim, intrigava-me. Posso dizer que não fiquei contente com o artigo, só invenções sobre a minha vida privada, mas senti-me aliviado por não haver nenhum erro ortográfico, coisa fácil de encontrar e que, infelizmente, não constitui escândalo naquele tipo de imprença. 

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