A TAP na hora do salve-se quem puder
Agora que estão aí milhares de despedimentos e mais mil milhões para pagar a curto prazo, a ilusão ideológica do Estado milagroso e esclarecido morreu e o Governo quer enterrá-la com uma ajudinha da Assembleia
Não passou um ano e os sindicatos da TAP só agora começaram a mostrar as garras, mas o Governo que se diz de esquerda já percebeu que jamais sairá incólume de uma reestruturação como a que se anuncia para a transportadora. Ao admitir (para já, não desmentiu) levar esse plano de reestruturação ao Parlamento, o Governo expôs de forma crua essa sua angústia, o seu desespero e a sua impotência. A TAP, já o sabíamos, é um problema complexo, grave e gigante. O optimismo ligeiro com que o ministro Pedro Nuno Santos o encarou não poderia sobreviver à realidade para sempre. Agora que estão aí milhares de despedimentos e mais mil milhões para pagar a curto prazo, a ilusão ideológica do Estado milagroso e esclarecido morreu e o Governo quer enterrá-la com uma ajudinha da Assembleia.
O Governo não se pode queixar. Podia ter assumido que a TAP era um anel dispensável. Podia ter tentado negociar com os privados em vez de os livrar do incómodo de gerir a crise. Podia até ter defendido a solução que escolheu envolvendo a seu tempo a Assembleia. O Governo não fez nada disto: escolheu, e o país duvidoso lá acabou por ser contagiado pela confiança do ministro. Se a TAP justificou a bravata contra os privados, pois corram-se os brasileiros com um cheque de 55 milhões. Se a TAP é uma empresa estratégica, financie-se. Se a empresa tem rotas ou aviões a mais, reestruture-se.
Depois de tantos avales, não se percebe o que pretende agora o Governo, ao levar a reestruturação à Assembleia. Ou, melhor, percebe-se. Quer repartir os custos dos conflitos sociais que se prenunciam, seguramente. Pretende diluir as suas responsabilidades. Pretende, afinal, que as oposições subscrevam os custos das suas opções políticas. Ou, por outras palavras, pretende o impossível. Nem o PCP lhe amparará os despedimentos nem o PSD uma nova injecção de capital. O que resta ao Governo, se esta ideia peregrina for avante, é sair do Parlamento com alguém a quem assacar culpas. É pouco, pobre e pouco honesto.
Ou há algo que nos escapa ou a TAP no Parlamento é uma história com pouca inocência e muita perfídia. O Governo não precisa de discussão ou aprovação parlamentar agora, tal como não precisou quando decidiu salvar a companhia. Tudo o que vá para lá de uma discussão ordinária (essa, sim, indispensável) na Assembleia, tudo o que possa parecer uma tentativa de envolver o Parlamento é um erro que só vai fragilizar o Governo e depreciar o Pedro Nuno Santos. Depois de ter gerido o processo como geriu e de ter decidido como decidiu, resta-lhe assumir as consequências sem mendigar favores nem procurar bodes expiatórios.