Francisco fará em Março a primeira viagem de um Papa ao Iraque

O convite era antigo e a vontade do Papa conhecida. A primeira viagem de Francisco depois da suspensão das peregrinações internacionais por causa da pandemia vai levá-lo a Bagdad, Ur, Erbil, Mossul e Qaraqosh.

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Francisco vai a Bagdad, Mossul, Erbil e Qaraqosh, na planície de Nínive ETTORE FERRARI/EPA

Papa desde 2013, Francisco teve sempre o Iraque (e a Síria) no pensamento. Na sua primeira mensagem de Natal pediu a Deus para “curar as feridas do amado Iraque”; na segunda, que “olhe os nossos irmãos e irmãs do Iraque e da Síria que há tanto tempo sofrem os efeitos do conflito e uma perseguição brutal”. Eram os anos do califado do Daesh e da fuga – mais uma – de cristãos do Iraque. Agora, o Papa prepara-se para cumprir um desejo antigo e visitar o país.

Depois de 15 meses sem sair de Itália por causa da pandemia de covid-19, a primeira viagem de Francisco já está marcada. “Aceitando o convite da República do Iraque e da Igreja Católica local, o Papa Francisco fará uma viagem apostólica ao país de 5 a 8 de Março de 2021, visitando Bagdad, a planície de Ur, ligada à memória de Abraão, a cidade de Erbil, bem como Mossul e Qaraqosh, na planície de Nínive”, disse esta segunda-feira o director da sala de imprensa do Vaticano, Matteo Bruni.

O Governo iraquiano descreve a visita como um “acontecimento histórico”, que simboliza “uma mensagem de paz para o Iraque e para toda a região”, reagiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Para o patriarca Luis Sako, chefe da Igreja Católica dos Caldeu, a maior comunidade católica do Iraque, que Francisco fez cardeal em 2018, o objectivo desta viagem será “fazer o Iraque olhar em frente”.

O convite oficial foi feito pelo Presidente iraquiano, o curdo Barham Salih, em Julho de 2019, e a viagem chegou a estar prevista para acontecer este ano. Na carta enviada a Francisco, Salih dizia esperar que a visita ajudasse o país a sarar-se depois de tantos anos de violência. E manifestava o desejo de que fosse ainda “uma oportunidade para lembrar e esclarecer o Iraque e o mundo que esta terra deu à humanidade as suas primeiras leis, a rega agrícola e um legado de cooperação entre os povos do mundo de tradições confessionais diversas”.

“Uma ideia insistente acompanha-me, pensando no Iraque, onde tenho o desejo de ir no próximo ano, para que possa seguir em frente, através da participação pacífica e partilhada na construção do bem comum de todos as componentes religiosas da sociedade, e não caia novamente em tensões que vêm dos conflitos intermináveis de potências regionais”, afirmara o Papa dias antes do convite, durante um encontro com representantes das comunidades católicas orientais.

A 25 de Janeiro, a possibilidade da viagem tornou-se mais palpável quando Francisco recebeu Salih no Vaticano. O chefe de Estado encontrou-se ainda com o secretário de Estado, cardeal Pietro Paolin, e com Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, e com estes debateu os desafios que o Iraque enfrenta e sublinhou “a importância de preservar a presença histórica dos cristãos” e “a necessidade de garantir a sua segurança e um lugar no futuro” do país.

Em 2003, antes da invasão anglo-americana, havia 1,4 milhões de cristãos no Iraque. Dez anos depois seriam uns 300 mil, segundo estimativas dos líderes cristãos iraquianos. Dezenas de milhares fugiram, primeiro da guerra civil que se seguiu à queda de Saddam Hussein, depois dos extremistas do Daesh, entre 2014 e 2017. A maioria teve de abandonar Bagdad e Mossul, duas das paragens previstas por Francisco.

Muitos fugiram para Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, com um subúrbio cristão (Ankawa), pouco tocada pela guerra, mas muitos outros abandonaram o país e a região onde estavam quase desde o início da cristandade.

Peregrinação a Ur

Na grande cidade do Norte onde o califado foi proclamado, os cristãos eram 35 mil em 2003 – semanas depois de o Daesh ocupar Mossul já só sobravam vinte famílias. Como às cidades da planície de Nínive, incluindo Qaraqosh, onde o Papa irá, os últimos anos viram o regresso de algumas famílias que se lançaram na reconstrução das suas igrejas e casas. Mas as estimativas apontam para que vivam hoje em todo o país menos de 400 mil cristãos.

A visita de Francisco será a primeira de um Papa ao Iraque, depois do plano nunca realizado de João Paulo II – o desejo do Papa polaco era ter feito a primeira etapa da sua peregrinação do Jubileu de 2000 na planície de Ur dos caldeus, que alguns acreditam ser o berço das três religiões abraâmicas. A viagem esteve marcada para Dezembro de 1999, mas as negociações com Saddam acabaram por ser interrompidas. Agora, será o argentino a percorrer a antiga cidade do Sul da Mesopotâmia.

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