Portugueses cumprem confinamento, mas saem mais de casa quando não há restrições
Há uma maior concentração de população nas ruas nas manhãs de fim-de-semana e a circulação durante os dias da semana chega a ser superior à média verificada antes da pandemia. Melhor controlo da mobilidade só é possível com mais medidas, defende especialista.
Os portugueses cumprem “exemplarmente” as limitações impostas pelo Governo, mas estão a sair mais de casa nas horas sem restrições, em particular nas manhãs dos fins-de-semana. É a principal conclusão de uma análise avançada ao PÚBLICO pela consultora PSE, especializada em ciência de dados, que defende ser necessário gerir melhor a mobilidade das pessoas para conseguir controlar a pandemia.
Ainda que os números da pandemia nos últimos dias mostrem uma diminuição do número de novas infecções, Nuno Santos, director da PSE e responsável pelo estudo da mobilidade, pede cautela quanto à verdadeira eficácia das medidas do estado de emergência que entraram em vigor a 9 de Novembro. É preciso mais tempo para perceber a descida, até por causa dos feriados de 1 e 8 de Dezembro e das medidas impostas para os dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro, que também podem reduzir o número de casos reportados, tal como acontece nos fins-de-semana.
Nuno Santos lembra que se verificou uma diminuição da mobilidade dos portugueses na semana que antecedeu o estado de emergência, um “movimento de antecipação” que reduziu o número de pessoas nas ruas. Mas essa redução de circulação não se manteve a partir do momento em que entrou em vigor o recolher obrigatório: desde 9 de Novembro (segunda-feira) a mobilidade durante o dia foi igual “ou superior” à média verificada antes da pandemia. Não está, por isso, fora de questão que o abrandamento da incidência agora esteja relacionado em parte “com a mobilidade que diminuiu antes de as medidas serem impostas”.
Medidas actuais “inibem a mobilidade durante meio dia"
O relatório da PSE observa que os portugueses “cumprem exemplarmente as limitações impostas, mas continuam a fazer deslocações com grande intensidade”. Durante os últimos dias, a actividade antes da hora do recolher obrigatório imposto nos 127 concelhos de maior risco foi mais alta do que antes da pandemia. Na sexta-feira passada chegou a estar 6% acima do normal e voltou a estar 5% e 1% acima da média esta quarta e quinta-feira, depois de quatro dias de actividade mais reduzida durante o fim-de-semana prolongado. A partir das 23h, mais de 95% dos portugueses ficaram em casa.
A alteração das rotinas dos portugueses é também fácil de identificar durante as manhãs dos fins-de-semana: há menos gente a sair de casa aos sábados e domingos desde que o país entrou no estado de emergência, mas até às 13h verifica-se nas ruas uma anormal “concentração de pessoas na rua no período temporal onde pode haver mobilidade”.
“Dado o stock médio de pessoas a circular nos sábados com restrições, vemos que durante a manhã o índice de concentração de pessoas chegou a ser 50% acima da concentração de pessoas num sábado normal (dia 7 de Novembro)”, explica a PSE na análise.
Nuno Santos explica que as medidas agora em vigor, em particular para os fins-de-semana e feriados, “inibem a mobilidade durante metade do dia”, mas não afectam realmente a circulação de pessoas nas ruas. “A única coisa que se está a dizer às pessoas neste momento é a que horas devem sair”.
De 28 de Novembro até esta quinta-feira, 87% dos portugueses já tinham saído de casa pelo menos uma vez, um valor até superior aos 86% que tinha saído de 7 a 12 de Novembro (também uma quinta-feira). A diferença, mostra a PSE, está na distribuição das saídas: “no sábado, 28 de Novembro, as medidas impostas pelo Governo impediram que 13% da população saísse à rua nesse dia [em comparação com 7 de Novembro]. No fim dos seis dias em análise verifica-se que todos os portugueses que saiam habitualmente à rua acabaram por sair”.
“A mobilidade está absolutamente intacta”, explica Nuno Santos, sublinhando que toda a população tem saído na mesma de casa ao longo da semana, apenas com padrões de deslocação diferentes: os portugueses saem mais nos dias que antecedem períodos de restrições e durante as manhãs de sábado e domingo.
O responsável da PSE parte do exemplo utilizado na quinta-feira pelo primeiro-ministro para esclarecer o cenário actual: “Estamos a pressionar a mola às tardes dos fins-de-semana e a libertar a mola nos dias úteis e manhãs do fim-de-semana”, referiu, em alusão às medidas aplicadas no país para limitar o contágio. O resultado é uma mola que sobe “com mais força” nas alturas em que as restrições são menos limitadoras.
Maior desafio é controlar a mobilidade sem prejudicar a economia
A recolha de dados da PSE é feita a partir de uma aplicação em smartphones (com recolha de dados contínua através de monitorização de localização e meios de deslocação via aplicação móvel) e abrange pessoas com mais de 15 anos das regiões do Grande Porto, Grande Lisboa, litoral norte, litoral centro e distrito de Faro. Para um universo de 6.996.113 indivíduos residentes nas regiões estudadas a margem de erro imputável ao estudo é de 1.62% para um intervalo de confiança de 95%.
Ainda que os responsáveis considerem que a amostra não inclui regiões do interior e do Alentejo, trata-se de uma amostra representativa da sociedade portuguesa, o que permite ter uma noção das tendências de vários segmentos etários, demográficos e profissionais. Com base nesses dados, a consultora simulou vários cenários para medidas aplicadas à mobilidade desses sectores, de forma a “encontrar o melhor equilíbrio entre o menor impacto na economia e o maior impacto na restrição da pandemia”.
“O grande desafio é criar condições para que se controle a quantidade de pessoas que circula todos os dias de forma consistente e duradoura, sem prejudicar a população activa”, refere Nuno Santos.
A consultora desenvolveu simulações para cenários de baixo, médio e elevado impacto no combate à propagação do vírus e na economia. A solução, no entender do director da PSE, passa por medidas como o ensino à distância para alunos do terceiro ciclo, secundário e ensino superior, a maior limitação da lotação dos transportes públicos ou a imposição obrigatória do teletrabalho em todo o território. Estas regras, de acordo com a consultora, permitiriam "controlar a mobilidade”, ao limitarem a circulação de uma fatia significativa da população, e sem prejudicar muito a actividade económica.