ONU e Governo etíope chegam a acordo para entrega de ajuda humanitária em Tigré
As forças governamentais tinham impedido até agora o acesso das agências das Naações Unidas e outras ONG de chegar até à região do Norte da Etiópia, onde se calcula que haja mais de um milhão de deslocados.
A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou esta quarta-feira que chegou a um acordo com o Governo da Etiópia que permitirá um acesso humanitário “desimpedido” a Tigré, possibilitando que, pela primeira vez desde o início dos combates entre as tropas federais e a Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT), comida, medicamentos e outros mantimentos cheguem às seis milhões de pessoas que vivem na região.
De acordo com o porta-voz da missão humanitária da ONU, Saviano Abreu, os primeiros carregamentos deverão começar a chegar a Tigré esta quarta-feira. Segundo a Associated Press, a ajuda humanitária será distribuída, para já, nas áreas da região do Norte da Etiópia que estão sob controlo do Governo federal de Abiy Ahmed.
Desde o início do conflito, a ONU e várias organizações de defesa dos direitos humanos têm tentado chegar a Tigré, no entanto, o acesso tem sido negado pelo Governo etíope.
Durante o passado fim-de-semana, o primeiro-ministro Abiy Ahmed declarou vitória sobre a FLPT, tendo reivindicado o controlo de Mek'ele, a capital da região, apesar de o líder tigré, Debretsion Gebremichae, garantir que os combates ainda continuam.
A ofensiva do Governo etíope contra Tigré começou no passado dia 4 de Novembro, com o executivo a acusar a FLPT de lançar um ataque contra uma unidade militar federal.
A tensa relação entre os dois lados do conflito já vinha de trás, sobretudo desde que Abiy Ahmed – vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2019 pelo acordo alcançado com a vizinha Eritreia – chegou ao poder em 2018 com uma política mais centralizadora, afastando os membros da etnia tigré de cargos de poder.
Desde o início da ofensiva no início de Novembro, estima-se que centenas ou até milhares de pessoas tenham morrido devido aos combates em curso – as comunicações na região estão cortadas, o que torna difícil saber a situação real no terreno.
Mesmo antes da escalada dos combates, a ONU estima que mais de 600 mil pessoas necessitassem de ajuda alimentar para sobreviver. Nos hospitais da região, a Cruz Vermelha, que visitou o principal hospital de Mek'ele, diz que a situação é muito grave e que o material médico está a acabar, pondo em causa o tratamento dos milhares de feridos do conflito.
Com o intensificar dos combates, mais de um milhão de pessoas que vivem em Tigré tiveram de abandonar as suas casas, incluindo mais de 45 mil etíopes que fugiram para o Sudão, aprofundando um crise que pode ter graves consequências humanitárias em todo o Corno de África.
A situação agravou-se também nos campos de refugiados eritreus no Norte da Etiópia, tendo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) alertado na terça-feira que acabaram os alimentos, deixando quase 100 mil pessoas em risco de fome e malnutrição.
Apesar da grave situação humanitária na Etiópia, o primeiro-ministro Abiy Ahmed tem recusado os apelos da comunidade internacional para dialogar com os líderes tigré.
Esta quarta-feira, Ahmed reuniu-se com vários partidos políticos para começar a preparar as eleições do próximo ano – em Setembro, a FLPT realizou eleições em Tigré, contrariando as ordens do Governo federal, que as tinha adiado devido à pandemia de covid-19, uma acção que precipitou o confronto entre o Governo federal e o governo regional.