Morreu Giscard d’Estaing, um dos arquitectos da integração europeia
O ex-Presidente francês tinha sido hospitalizado a 17 de Novembro em Tours por insuficiência cardíaca. É recordado como um modernizador e um construtor da União Europeia actual.
Morreu o antigo Presidente francês Valery Giscard d'Estaing, devido a insuficiência cardíaca, aos 94 anos, na sua residência em Authon, no departamento de Loir-et-Cher, no Centro de França. Nascido a 26 de Fevereiro de 1926, viveu o turbulento século XX na primeira pessoa, participou na Resistência e combateu na Alemanha e na Áustria, e em 1974, tornou-se, aos 48 anos, o mais jovem Presidente francês a ser eleito, antes de Emmanuel Macron, encarnando a imagem de um político jovem e dinâmico, centrista, que dava corpo à renovação face aos rivais.
Valery Giscard d’ Estaing (VGE, numas iniciais popularizadas para ser mais fácil pronunciar o seu nome algo complicado) foi o primeiro não-gaullista a entrar no Palácio do Eliseu no pós-II Guerra, quando França ainda procurava entender o furacão que por lá tinha passado no Maio de 1968.
Mas não teve a vida fácil. Liderava o país quando a Europa e o mundo ocidental enfrentaram os choques petrolíferos e consequentes crises económicas, com o aumento do desemprego.
VGE foi também um dos arquitectos da integração europeia, no seu mandato presidencial ainda de sete anos, entre 1974 e 1981. Só em 2000 os mandatos presidenciais acabaram por ser reduzidos em França para cinco anos.
Na Europa firmou uma relação próxima com o antigo chanceler alemão Helmut Schmidt e juntos estiveram na origem da criação do Conselho Europeu, em Dezembro de 1974. Juntos lançaram as bases para a moeda única europeia. Foi também durante a sua liderança, e sob o impulso franco-alemão, que foi lançado o Sistema Monetário Europeu - o ECU, a Unidade de Conta Europeia, antecessora da união económica e monetária europeia e do euro.
A sua história como Presidente da República de França começou quando na segunda volta das eleições de 1974 derrotou o socialista François Mitterrand, numa campanha eleitoral inovadora. Ficou célebre a frase com que marcou o candidato da União da Esquerda, que derrotou, no debate presidencial de entre as duas voltas: “Você não tem o monopólio do coração”. Mitterrand vingou-se em 1981, ao conquistar o Eliseu.
Defendia “uma sociedade liberal avançada”, recorda o Le Monde. Acabou por modernizar a sociedade francesa durante a sua presidência, numa altura em que o país enterrava o período conhecido como “os 30 gloriosos”, três décadas de progresso económico no pós-guerra.
VGE permitiu o divórcio por mútuo consentimento, legalizou o aborto e baixou a idade do voto dos 21 para os 18 anos, por exemplo. Teve como primeiro-ministro Jacques Chirac, futuro Presidente – uma forma de recompensar alguns gaullistas que se juntaram a ele, que se rebelou contra a força dominante na direita e centro-direita em França para se fazer eleger.
Mas, ao longo de toda a sua carreira política, estes dois homens alimentaram uma forte rivalidade, expressa de várias formas. “VGE, o Monarca” e “Chirac, o Agitado”, titula o Le Monde esta quarta-feira um texto dedicado a esta rivalidade que era, na verdade, uma batalha sem quartel na direita francesa, mesmo depois de ambos terem sido Presidentes. Chirac, que morreu no ano passado, era diferente em carácter, em origens e formação, mas entre os dois políticos corria algo como um rancor, diz o diário francês.
VGE nasceu em 1926, em Koblenz (Alemanha), que então era ocupada por França. Formado em Matemática, exerceu o cargo de secretário de Estado das Finanças (1959-1962) e foi nomeado ministro das Finanças (1962-1966) pelo Presidente Charles de Gaulle.
Desde Setembro teve várias hospitalizações, que terão sido relacionadas com problemas de insuficiência cardíaca. A 17 de Novembro, foi hospitalizado em Tours, devido a problemas desse foro, mas morreu na sua propriedade de Anthon, rodeado de familiares, diz o jornal Le Figaro.