Os Bons Malandros chegaram à RTP
Uma nova minissérie de oito episódios da RTP1 adapta e expande o livro homónimo de Mário Zambujal, que já tinha dado um filme de Fernando Lopes em 1984.
Em 1980, Mário Zambujal editava Crónica dos Bons Malandros, um best-seller sobre uma quadrilha de ladrões lisboetas especializados em crimes de pequena escala que montam um assalto ao Museu Calouste Gulbenkian para roubar jóias de René Lalique, um “assalto que iria espantar o mundo”. Passados quatro anos, estreava-se nos cinemas uma adaptação do livro pela mão de Fernando Lopes, com a presença física de Mário Zambujal como narrador. Quarenta anos depois do livro e 36 anos depois do filme, eis que chega a minissérie: a estreia é esta quarta-feira na RTP1, às 21h, estando já disponível na RTP Play.
Produção da Ukbar Filmes, Crónica dos Bons Malandros divide-se em oito episódios com argumento de Mário Botequilha e realização de Jorge Paixão da Costa, que também deu uma perna na escrita. O próprio Zambujal, disse-o ao Ípsilon em Agosto, foi “conselheiro” desta versão, que adapta e expande a intriga do livro, tendo partilhado com a equipa tudo o que sabia sobre as suas personagens, mas não tinha usado na obra original.
A série, rodada no Verão, em plena pandemia, recria a Lisboa do início dos anos 1980, uma época de mudança, entre a saída do país da ditadura e a sua entrada na União Europeia. E reconstitui o universo destes pequenos criminosos à portuguesa num estilo marcadamente diferente daquele que marcava o surreal e inventivo filme de Fernando Lopes.
No elenco, em vez de João Perry, Lia Gama, Pedro Bandeira-Freire, Paulo de Carvalho, Nicolau Breyner, Maria do Céu Guerra e Nuno Duarte, os protagonistas do filme, estão Marco Delgado, no papel de Renato, o Pacífico, líder da quadrilha e marido de Marlene, interpretada por Maria João Bastos, Adriano Carvalho (Flávio, o Doutor), Manuel Marques (Arnaldo Figurante), José Raposo (Pedro Justiceiro), Joana Pais de Brito (Adelaide Magrinha) e Rui Unas (Silvino Bitoque). Isto, além de nomes como a brasileira Mónia Iozzi, Isabel Ruth, Joaquim Nicolau, Lúcia Moniz, José Fidalgo, Joana Barrios ou Luís Aleluia. Todos têm aqueles deliciosos nomes das personagens criadas por Zambujal, inspiradas no seu convívio nocturno com verdadeiros malandros lisboetas da altura.
Com graus variáveis de sucesso, todos vestem as suas melhores roupas, compõem os seus melhores sotaques, cabelos, atitudes gingonas e expressões do antigamente para recriar uma Lisboa que já não existe. Mas o guião também pisca os olhos aos dias de hoje, com alusões ao BES ou ao facto de o palhaço Batatinha já não ser, desde o início dos anos 1980, o parceiro do palhaço Croquete. E há ainda muitas piadas à custa da ignorância ou relativa inocência dos Malandros.
Isto a julgar pelo primeiro episódio, em que somos apresentados às personagens e às suas dinâmicas: o pacifismo de Renato, que odeia armas de todos os tipos; o gosto por bitoques do Silvino, que lhes foi buscar o nome; o passado no boxe de Arnaldo; a relação com Renato e o passado circense de Marlene; o conhecimento enciclopédico – e vontade constante de o demonstrar – de Flávio, o Doutor, a relação de Adelaide Magrinha com Carlos, que está preso. Tal como os capítulos do livro, cada um dos próximos episódios focará um membro da quadrilha, até que, no final, chegam o assalto e as suas consequências. E desta vez vamos mesmo ver a sucessão de acontecimentos dentro da Gulbenkian, algo que o filme de Fernando Lopes mostrava de uma forma muitíssimo oblíqua.
Nos primeiros 45 minutos desta nova série, em que se anda para trás e para a frente no tempo, vemos o assalto como era suposto ele decorrer, com a ajuda de abelhas. Mas também se visita o quartel-general da quadrilha, que passa de bar do japonês a bar da japonesa, uma casa no Restelo, o cemitério onde decorre o funeral de Lina Despachada, amiga de Adelaide Magrinha, e jogos de bingo. Se no filme de Fernando Lopes havia um mural de Ramalho Eanes, na altura Presidente da República, a piscar o olho ao espectador, aqui dá para vislumbrar escritos da CDU e da JCP em algumas paredes de Lisboa. Mas ainda há mais para descobrir depois...