Estamos habituados ao óbvio. Não sabemos bem em que altura nos entregámos ao discurso que todos usam e que, por isso, nos é familiar. Mas, algures, deixámos de focar nos detalhes.
Habituámo-nos a ouvir: “Para mim, o bom da vida está numa mesa cheia de amigos e bem regada” ou “Não há nada melhor do que fazer o que se gosta”. Pois claro, ninguém duvida. É bom acordar e trabalhar no que nos faz feliz. É bom estar rodeado de gente de que nos quer bem e que de quem queremos cuidar durante muito tempo. Se em cima disso houver boa comida e boa bebida, então estamos num lugar que preenche.
Já por variadíssimas vezes ouvimos alguém dizer ou nós mesmos dissemos: “Nada me deixa mais feliz do que ver chegar a sexta-feira” ou “Viajar é do melhor que há”. Nada a apontar. Terminar a semana e ir ao encontro do desconhecido são, sem dúvida, coisas boas.
Falta-nos o resto, o detalhe. Tirar prazer das coisas mínimas, que são tanto. Aquele breve instante em que se fecham as portas do carro, depois da corrida insana fugindo da carga de água que havia caído à saída do cinema. Aqueles deleitosos segundos em que a chuva agora bate lá fora e a ouvimos já sentados e confortáveis. A nossa namorada dizer-nos que a primeira fotografia que pediu que tirássemos está, de facto, como queria e seguir caminho. Encontrar cinco euros num bolso antigo de um casaco já velho. O empregado voltar atrás e dizer: “Afinal ainda tenho o bolo de bolacha”. Acharmos que os nossos amigos estão com pressa para ir embora, mas, afinal depois de um deles olhar para o relógio, o que sai é um extraordinário: “Como é? Mais quatro? Pago eu”, e todos concordarem, aliviados.
Encontrar um lugar à porta, apanhar os sinais todos verdes, a música de que gostamos terminar assim que estacionamos, ver que o café já foi pago, reencontrar um amigo de longa data, notar que o vento mudou, a voz no altifalante a anunciar que podemos embarcar, ver um abraço em 2020.
Não é uma questão das coisas estarem alinhadas. É preciso sabermos olhar para elas. As pequenas coisas. As coisas boas.