Caxemira vota em eleições locais, as primeiras desde a revogação da autonomia
Partido do primeiro-ministro indiano apostou forte na campanha e as autoridades dificultaram a vida aos candidatos de uma aliança de partidos pró-Índia, que quer restaurar o estatuto especial do território disputado com o Paquistão.
As primeiras eleições na Caxemira desde que o Governo nacionalista da Índia revogou o estatuto especial nesta região disputada, no ano passado, começaram este sábado sob intensa segurança. Quase seis milhões de eleitores podem votar para escolher os 280 membros dos Conselhos de Desenvolvimento distritais e o Bharatiya Janata Party (BJP), do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, fez uma campanha feroz numa tentativa de substituir os partidos pró-Índia que se opuseram fortemente ao fim da autonomia.
Estas formações aliaram-se numa coligação, a Aliança Gupkar, para defender a restauração do estatuto especial. A decisão do Verão de 2019 anulou a constituição da Caxemira, dividiu o estado em dois territórios federais – Jammu e Caxemira, de um lado, e Ladak, de outro – e acabou com os direitos de protecção à maioria muçulmana, que impediam os estrangeiros de ali residir permanentemente, comprar terras, ocupar cargos governativos ou possuir negócios.
Desde então, o Governo indiano deteve milhares de pessoas, incluindo líderes pró-Índia, e impôs vastas restrições, como recolher obrigatório e cortes nas comunicações, ao mesmo tempo que fez aprovar legislação sobre terras que, segundo os membros da Aliança Gupkar, vai servir para “impulsionar e concretizar a agenda de mudar a demografia e enfraquecer o povo”.
Habitualmente, os líderes separatistas e os grupos rebeldes que desafiam a soberania indiana apelam ao boicote nas eleições. E alguns eleitores olham para este voto como uma forma de criar uma nova elite política leal a Modi. “Este é um voto ideológico”, diz Najeeb Khan, que falou com a Associated Press na principal cidade da região, Srinagar. “As pessoas consideram esta eleição como um referendo contra o BJP.”
Assédio aos candidatos
Não foi fácil fazer campanha para a oposição a Modi. “Tem sido muito difícil, desde o dia em que apresentámos a candidatura até agora. A polícia obrigou-nos a mudar para um local a 60km do meu círculo eleitoral. Levo duas horas a ir daqui para o sítio onde passo a noite”, queixou-se Rayees Ul Hassan, um candidato da Aliança Gupkar, ouvido pela Al-Jazira. A maioria dos 296 candidatos tem estado alojados em hotéis por preocupações de segurança – em anteriores eleições houve atentados contra durante a campanha.
Na sexta-feira, Mehbooba Mufti, ex-ministra chefe de Jammu e Caxemira e dirigente do Partido Democrático do Povo, que integra a coligação Gupkar, foi posta em prisão domiciliária e a polícia impediu os jornalistas de irem até sua casa para uma conferência de imprensa, diz a AFP.
Também é possível que alguns que não costumam votar decidam fazê-lo. “Tínhamos planeado boicotar as eleições mas depois da formação da Aliança Gupkar, repensámos a nossa posição. Decidimos votar para manter o BJP afastado”, diz o residente Ghulam Nabi à Al-Jazira.
Claro que uma participação elevada é precisamente o que o BJP deseja. “Se houver uma votação significativa vai mostrar à comunidade internacional que a vida voltou ao normal e isso é o que o Governo de Modi quer ver demonstrado”, diz o analista Majid Hyderi, ouvido pela mesma televisão internacional.
Metralhadoras e arame farpado
As autoridades indianas mobilizaram dezenas de milhares de soldados adicionais para patrulhar ruas e estradas de uma região já altamente militarizada e há forças paramilitares armadas com metralhadoras diante de cada uma das mais de duas mil mesas de votos abertas nesta primeira fase (as eleições prolongam-se até 19 de Dezembro). Cercas de arame farpado e barricadas foram também erguidas nas estradas à volta.
Apesar da segurança reforçada, dois soldados foram mortos numa emboscada em Srinagar, na quinta-feira. Confrontos entre forças indianas e paquistanesas na fronteira fizeram 13 mortos no dia 13 de Novembro.
Esta região é reclamada tanto pela Índia, de maioria hindu, como pelo Paquistão muçulmano. E os dois países, potências nucleares, entraram em guerra duas vezes por causa da Caxemira desde a independência – e divisão da Índia britânica em Paquistão e Índia –, em 1947.
Na Caxemira indiana, grupos de combatentes independentistas que a Índia diz serem apoiados pelo Paquistão lutam contra as forças indianas desde 1989, em combates que já fizeram dezenas de milhares de mortos, a maioria civis.