Jornais escolares
“O meu nome é Sarah. Sou paginadora do Horta das Notícias”
Jornal da Escola Horta das Figueiras, em Évora, venceu o Concurso Nacional de Jornais Escolares no escalão do 1.º ciclo. Um pai a ele ligado desde o início não tem qualquer dúvida: “O grande motor foi o entusiasmo.”
Dezembro de 2019, férias do Natal. Em Évora, em casa de Fernando Moital, o filho, João, e dois amigos, Breno Pessoa e Filipe Cid, entretinham-se. Para ajudar a passar o tempo, foi aberto nos computadores o template de um jornal. Os miúdos puseram-se a escrever e depois imprimiram as páginas com as notícias. Há uma foto de Filipe Cid a mostrar duas páginas dessa “edição zero” do Horta das Notícias — assim foi batizado.
A ideia “começou a germinar”, nas palavras do pai de João Moital. Em fevereiro, antes da pandemia, propôs que fosse editado um número do jornal na Escola Básica Horta das Figueiras, onde o filho e os amigos frequentavam o 4.º ano do ensino básico. Só que março foi o que se sabe. “E eu pensei: isto já não se vai fazer. Mas fiquei tão triste com aquilo, em casa... Lancei o desafio às crianças e à professora e foi assim uma coisa que começou a nascer todos os dias e depois não parou.”
Ainda antes das férias da Páscoa passou a sair todos os dias uma edição em pdf (estão todas aqui). Depois “esmoreceu um bocadinho”, momento que Fernando Moital faz coincidir com o recomeço das aulas, com o ensino à distância e “a azáfama das fichas”; mas resistiu, envolveu cada vez mais pessoas (basta olhar para a ficha técnica), conseguiu honras de edição impressa em julho e foi considerado, em outubro, o melhor jornal escolar no escalão A (1.º ciclo do ensino básico) pelo júri do Concurso Nacional de Jornais Escolares, promovido pelo PÚBLICO, através do projeto PÚBLICO na Escola. Os prémios foram entregues no dia 27 de novembro, em Lisboa.
A professora Maria José Percheiro, coordenadora da escola, dava no ano letivo passado aulas ao 4º ano (agora está com o 1.º). Diz que o prémio “foi uma grande surpresa”, que vem reforçar ainda mais a vontade de ter no jornal escolar um elo de ligação entre os alunos que continuam na Escola Horta das Figueiras e os que entretanto saíram para o 2.º ciclo na Escola Básica Santa Clara, também do Agrupamento Severim de Faria. “Teria lógica haver uma aproximação através do jornal escolar. A ideia está a ser construída, ainda não sabemos em que moldes.”
O texto que acompanhou a inscrição do Horta das Notícias no concurso apresenta-o desta forma: “O jornal nasce no seio da Comunidade da Escola Horta das Figueiras, que é um coletivo informal, composto por encarregados de educação, pais, alunos, professores, funcionários, familiares dos alunos, ex-alunos e todos aqueles que queiram participar na construção de uma escola melhor. Contou com um núcleo de adultos mais pró-ativos, composto por um pai, uma mãe e a professora coordenadora da Escola. Ao pai mais ativo e à professora coube, sobretudo, envolver as crianças e desafiar os adultos a participarem no jornal, enquanto uma mãe se ofereceu para fazer a revisão de todos os textos.”
Em conversa com o PÚBLICO na Escola, a professora coordenadora acrescenta: “Nós sonhamos sempre muito alto. A escola tem envolvido muito os pais neste processo de ensino/aprendizagem. Envolvemo-nos de tal maneira, que sentimos esta necessidade de comunicar durante a pandemia.”
Em junho, num jardim de Évora, Fernando Moital gravou com o telemóvel uma conversa, disponibilizada ao PÚBLICO na Escola, com três dos jornalistas do Horta das Notícias: João Moital, Sarah Rodrigues e o irmão, Tobias Rodrigues. Falam da experiência dos meses de estreia do jornal. Mas primeiro apresentam-se. Sarah assim: “O meu nome é Sarah. Sou paginadora do Horta das Notícias.”
Foi a Sarah, 10 anos, que Fernando Moital enviou um email, na altura em que o futuro do jornal se apresentava periclitante, a perguntar-lhe se queria paginá-lo. Ela respondeu cinco minutos depois: “ADORAVA”. Assim, em maiúsculas. “E eu pensei: não posso parar. Tenho alguém que ainda quer fazer isto mais do que eu. E não parámos.”
Este é um dos exemplos que Fernando Moital, professor de formação mas sem exercer, vai buscar para dar conta do entusiasmo que desde o início gravitou em torno do jornal da escola. “O grande motor foi o entusiasmo”, diz. E também uma das lições a tirar: “Estamos numa altura em que só se pensa nos problemas. Perdeu-se um bocado aquela coisa do ‘vamos lá fazer isto’. O nosso pensamento está sempre nos entraves. E o entusiasmo faz tudo. O sonho, o entusiasmo, o querer fazer...
Passar isso às crianças “é essencial”, defende. “Precisam de sair do mundo das fichas e daquele espacinho em branco para preencherem, têm cada vez menos momentos para darem azo à sua imaginação.
O espírito que norteia o Horta das Notícias ficou exemplarmente resumido por uma aluna numa das primeiras edições: “Gosto deste jornal porque podemos dizer o que pensamos.” A frase é repetida com orgulho por Fernando Moital: “Ela percebeu e conseguiu verbalizar e escrever o sentimento aqui do jornal: podemos dizer o que pensamos. Acho isto fantástico.”
Na edição impressa, em julho, foi Breno Pessoa a dar a resposta mais desconcertante:
— Qual a pergunta que queres deixar aqui para o próximo repórter fantástico?
— Esta é uma pergunta idiota, não quero deixar nenhuma.