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“Escrever para o jornal é dar um pouco de nós”

Três das jornalistas residentes do ponto & vírgula, da Marinha Grande, entraram este ano em cursos superiores de jornalismo. No Concurso Nacional de Jornais Escolares, este foi eleito o melhor do ensino secundário. Os prémios foram entregues no dia 27 de novembro.

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Na foto estão oito dos 11 alunos que no último ano letivo integravam a equipa de jornalistas residentes do jornal do Agrupamento de escolas Marinha Grande Poente. Foi tirada na escola, para promover o ponto & vírgula nas redes sociais. Apenas um — Tomás Vicente — estava no 11.º ano (o resto dos colegas andava no 12.º) e por isso é ele o único do grupo que continua na Escola Secundária Eng.º Acácio Calazans Duarte.

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Da esquerda para a direita, a começar pela fila de trás: Beatriz Menino, Diogo Heleno, Tomás Vicente; Débora Silva Francisco, Sofia Puglielli, Adelina Fadul; Inês Duque e Susana Graça DR

Quando a foto foi tirada, Tomás, 17 anos, era também Diretor Júnior. Candidatou-se para “tentar agitar as águas e levar os alunos a participar mais, tanto dentro como fora da escola, como cidadãos ativos”. Conseguiu ver concretizado um dos pontos centrais do plano de ação que apresentou: Ciência Política é hoje uma das disciplinas de opção oferecidas pela secundária. “Acabou por ser o maior passo que dei como Diretor Júnior, sempre apoiado pelo diretor da escola”, conta.

Ir à escola só para ter aulas não lhe diz muito. “Procuro sempre mais. Vou às aulas, mas quero o a seguir às aulas.” A ligação com o ponto & vírgula começou no início do 10.º ano. A professora de Biologia tinha um filho que colaborava, disse que estavam à procura de redatores... “Achei a ideia engraçada”, lembra. Continua a achar, ainda que este ano, por falta de tempo, se ocupe apenas das edições em papel. Escreve sobre séries, filmes, jogos, teatro — coisas que vão acontecer ou que estão a chegar, sempre lhe interessou “abrir os horizontes”.

O ponto & vírgula é o vencedor do Concurso Nacional de Jornais Escolares no escalão C, respeitante ao ensino secundário. Os prémios foram entregues no dia 27 de novembro.​

“Projeto de referência” entre os “múltiplos projetos que o Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente tem, o jornal “sai habitualmente em formato digital na primeira 4.ª-feira de cada mês” (pode ser lido aqui). As edições em papel têm sido publicadas duas ou três vezes por ano letivo, “dependendo da nossa capacidade financeira para o fazer”, refere o texto de apresentação do jornal anexado à inscrição no concurso, promovido pelo PÚBLICO, através do projeto PÚBLICO na Escola. “Cada edição em papel é de 4000 exemplares e cerca de 1800 são encartados com o Jornal da Marinha Grande.”

Para além da “magia do papel, que ainda é grande”, e de os alunos gostarem que as pessoas peguem no jornal e vejam o nome deles a assinar trabalhos, a edição impressa é importante para manter a ligação à comunidade, sublinha o professor José Nobre, que há quatro anos coordena o ponto & vírgula, agora com a professora Alda Santos. “A comunidade muitas vezes não faz a mínima ideia do que se passa numa escola.”

Beatriz deixou-se fascinar pelo mundo do jornalismo

Quando Beatriz Menino chegou ao ensino secundário, o jornalismo “não era de todo uma opção”. A persistência da professora Alice Marques, que andava a recrutar elementos para o corpo redatorial do ponto & vírgula, abriu-lhe as portas do jornal e o jornal abriu-lhe depois muitas outras. Estudante da área de Ciências e Tecnologias, quando no 12.º ano chegou a hora de escolher um curso superior deu consigo a pensar: “Eu quero alguma coisa que me permita estar em contacto permanente com os outros, abrir as portas para o mundo. A experiência do jornal permitiu-me ter uma noção muito mais prática dos prós e dos contras do trabalho jornalístico. E fascinou-me.” Escolheu Ciências da Comunicação, na Universidade Nova de Lisboa (entrou com 18,8).

No ponto & vírgula era responsável por uma rubrica chamada “Pro Futuro”, dedicada a profissões do futuro. E agora, aos 18 anos, o que se vê a fazer no futuro? “Essa é uma pergunta muito complicada, de momento. Ainda não sei responder, mas vejo-me nalgum sítio em que possa estar em contacto com o outro, ouvir o outro. A televisão parece-me o caminho a seguir.”

Inês não estava à espera de gostar tanto do jornal

Beatriz é uma das três ex-jornalistas residentes do ponto & vírgula que este ano entraram em cursos superiores na área do jornalismo. As outras duas são Inês Duque e Sofia Puglielli, também com 18 anos, ambas no 1.º ano de Jornalismo e Comunicação, na Universidade de Coimbra.

A irmã de Inês já escrevia no jornal e ela foi “um bocado empurrada” para colaborar com a rubrica “Pé de Dança”. Andou na dança durante sete anos e tem “uma ligação muito forte com essa área”. Foi sobretudo sobre dança que escreveu ao longo dos três anos do ensino secundário. Durante a quarentena, aproveitou para fazer um desafio aos leitores, “do género: mesmo que não saiba dançar, não fique sempre à frente do computador, meta uma música e dance como quiser; deem um pouco de vida e um pouco de alegria a esta altura tão atípica e, digamos, deprimente”.

Inês sempre gostou de escrever e de ler, o que não a impediu de andar “um pouco perdida” quando chegou a altura de escolher o curso a seguir. “Mas depois ‘descobri’ que gosto da parte da pesquisa, da procura da verdade, ter conhecimento sobre o mundo, a sociedade, o que se passa. Acho que no jornal consegui ter essa perceção da realidade.”

Percebeu também que escrever num jornal “é uma experiência única”. Implica “uma certa confiança entre professores e alunos, o que existia; muita força e trabalho”. E uma grande dose de generosidade e entrega, porque “escrever para o jornal é dar um pouco de nós”. Inês diz que não estava nem de longe nem de perto à espera de gostar tanto da experiência como gostou. “Adorei escrever a minha rubrica.”

Como imagina o futuro? “Nesta fase inicial, tenho ideia de escrever num jornal ou então ir para uma estação de rádio.” Gosta muito de andar de carro, mas não do silêncio — e por isso procura o conforto da rádio. Gosta de pensar que pode um dia fazer isso por alguém, ser essa voz que se ouve enquanto se conduz, essa espécie de companhia.

Sofia quer vir a trabalhar num jornal

Sofia Puglielli viveu na Venezuela até aos 14 anos, altura em que veio para Portugal, para a Marinha Grande, terra da avó materna. Quando chegou, a meio do 9.º ano, não falava português. “Não falava nada.” Assistia às aulas, mas continuava a estudar, online, numa escola Venezuela. No ano seguinte, então sim, passou a frequentar por inteiro a Escola Secundária Eng.º Acácio Calazans Duarte. “Um dia, a professora Alice Marques pediu-me para ser entrevistada, por ser uma aluna estrangeira. Depois da entrevista, perguntei se podia participar no jornal, mesmo que não falasse muito bem o português. Essa professora ajudou-me, corrigia os artigos, para eu poder continuar a fazer parte, sem ter esse entrave.”

Logo aí, nessa entrevista, sentiu um grande à-vontade com a comunicação. Pensou: “Isto pode ser uma área do meu interesse.” Foi-se ambientando com a língua portuguesa e com o ponto & vírgula, foi incumbida de uma rubrica: “Mãe Terra”, com temas ambientais. “Cheguei a fazer uma tentativa de reportagem sobre a situação lá na escola, ecopontos, se os alunos se esforçavam em matéria de ambiente...”

No último ano, no 12.º, ficou “muito envolvida, porque já tinha decidido o que queria fazer”. Passou a tomar conta da rubrica “Eu vim de longe”, a mesma para a qual tinha sido entrevistada nos primeiros tempos na escola.

Entrar no curso de Jornalismo e Comunicação teve um sabor especial. “Como em tudo, começou por um sonho. Foi a minha primeira opção, trabalhei muito, por causa do português. Era um desafio. Se gostas de desafios, podes provar a ti mesma que podes fazer coisas das quais vais ficar orgulhosa.”

E o futuro? “Eu gosto de escrever. Queria trabalhar nalgum jornal, estar numa área mais de idas ao terreno e viajar.”

Os planos de Tomás Vicente passam por um mundo distinto do jornalismo: Engenharia Informática e Computação, na Universidade do Porto.

Balanço da passagem pelo jornal escolar? “Dá para ter uma boa experiência do que é escrever para uma redação. Temos um Livro de Estilo, que temos de seguir, aprendemos muita coisa.” Incluindo a estar menos vulnerável à desinformação e às fake news. “É mais fácil tentar identificar aquilo que se tenta passar por verdadeiro. Às vezes basta olhar... e não encaixa, não parece certo.” E, sobretudo, “se uma pessoa gosta de escrever, não deve desperdiçar uma oportunidade que tenha para escrever, ainda por cima se vai ser lido por alguém.”