Nota prévia: não sou médico, mas sei como funciona a ciência e conheço o ambiente mediatizado onde comunica. Tenho, por isso, a convicção de que a desinformação sobre a covid-19 se combate explicando como funciona o método científico.
Uma das questões trazidas pela pandemia da covid-19 é a multiplicação de conteúdos desinformativos (sobre a gripe, a máscara, a vacina, etc). No extremo estão os negacionistas que afirmam que o vírus não existe, que as mortes resultam da tecnologia 5G ou que o vírus foi criado em laboratório.
Coloca-se a questão: será o ser humano capaz de tomar uma decisão informada com base num post que viu no Facebook e numa pesquisa rápida no Google? Não estará melhor informado quem dedica a sua vida à ciência e estuda diariamente a covid-19? Como os especialistas em saúde pública, os pneumologistas, os epidemiologistas, ou os infecciologistas?
Infelizmente, a questão aqui não é racional, é emocional. Não há nenhum fact-check que consiga convencer um negacionista do absurdo dos seus argumentos. Se os média tradicionais estão a contradizer é porque é verdade (assim pensam os mais fervorosos adeptos das teorias da conspiração). E qual a credibilidade da ciência, se no início era contra o uso de máscara e agora defende o seu uso em todo o lado? Até em casa…
Nas palavras do director da Organização Mundial de Saúde, estamos perante uma “infodemia”, uma doença de desinformação sobre saúde à escala global.
O problema para a ciência – e para todos nós – é que no mundo das redes sociais, onde a notícia se confunde com opinião, a falsidade mistura-se com informação. A descontextualização, a simplificação, o apelo às emoções, são algumas das características das fake news. A mentira completa, que tem expressão máxima nas teorias da conspiração, é menos comum. A táctica habitual é procurar algum facto ou número para sustentar os argumentos. Nalguns casos até se citam estudos (escolhidos a dedo) para suportar o ataque à ciência em nome de uma verdade superior que nos querem esconder.
Porque é que isto acontece? Acredito que a resposta está no desconhecimento de como funciona o método científico.
Os artigos científicos têm de cumprir um conjunto de requisitos e etapas para gerar resultados válidos, e têm o seu corolário na revisão por pares da mesma área científica (peer review). Isto significa que a ciência é resultado de um saber acumulado e partilhado por muitos especialistas, mas também significa que é evolutiva, um resultado de tentativa e erro.
O erro aumenta quanto maior for a ausência de conhecimento prévio. No caso de uma doença nova como a covid-19 isto é particularmente preocupante, e explica alguns dos avanços e recuos nas medidas recomendadas.
Mas o caso da covid-19 demonstra como a ciência é humilde e aprende com os erros. No início, perante o desconhecido, começou-se por explorar o que se sabia sobre outros coronavírus. Com a evolução da pandemia foi-se aprendendo com a realidade do dia-a-dia, fazendo de todos nós alvo de um gigantesco estudo experimental. Agora temos um conhecimento acumulado que podemos usar para conter a disseminação do vírus até a vacina ser distribuída em massa.
Sabemos que amanhã vamos ter melhor informação para decidir do que hoje mas, tanto por razões de saúde pública como de bem-estar económico e social, não podemos esperar.
Devemos, por isso, fazer um esforço de comunicação colectivo. É preciso explicar que – dentro da incerteza – as recomendações das autoridades de saúde têm como base a evidência científica disponível no momento, que está a crescer a cada dia.
Quando for altura de vacinar a população, o consenso científico produzirá tantos melhores resultados quanto maior for o consenso social.