Novo álbum do Grupo Vocal Olisipo revela obras esquecidas de compositores da Sé de Évora
Herança, título do novo disco, vai sair em Dezembro. Foi gravado no auditório da Escola Superior de Música de Lisboa e realizado em estreita colaboração com o musicólogo Luís Henriques.
O novo disco do Grupo Vocal Olisipo, Herança, a sair em Dezembro, é composto por 20 obras de polifonia portuguesa dos séculos XVI a XIX, vindas do arquivo da Sé de Évora, algumas em primeira audição moderna. Entre estas obras esquecidas, que aqui são reveladas em estreia moderna, encontram-se composições de Manuel Rebelo, Francisco José Perdigão, Afonso Lobo, Miguel Anjo do Amaral, Estevão Lopes Morago, Francisco Martins, André Rodrigues Lopo e Pedro Vaz Rego.
O grupo não edita há mais de um década, tendo sido possível ultrapassar as contingências da pandemia para gravar este disco no auditório da Escola Superior de Música de Lisboa, “que tem excelentes condições acústicas”, disse à agência Lusa o maestro Armando Possante.
O novo álbum foi realizado em estreita colaboração com o musicólogo Luís Henriques e, além das peças históricas, inclui um conjunto de treze poemas, Testamentos, de Tiago Patrício. O autor madeirense, de 41 anos, segundo Possante, “revisitou os textos sacros das peças, textos antigos que se cruzam com as celebrações litúrgicas da infância e que, tal como afirma, ‘mantêm uma forte componente performativa; estas composições cruzam técnicas da narrativa com motivos líricos que as tornam fundamentais para quem se interessa pela literatura e pela história da humanidade'”.
Relativamente ao património da polifonia vocal sacra da Catedral de Évora, estão representados compositores que não desenvolveram actividade na instituição, mas “possuem laços musicais” com ela, “sobretudo através da sua aprendizagem musical”, sem esquecer “os que exerceram funções na catedral, como mestres de capela, mestres da claustra ou cantores, até ao início do século XIX, atestando a continuidade da escrita vocal a cappella nesta instituição eborense”.
O alinhamento escolhido inclui peças da chamada “geração de ouro”, do final do século XVI e da primeira metade do século seguinte, assim como da segunda geração de compositores setecentistas. Do primeiro grupo fazem parte Manuel Mendes, com Alleluia, “obra conhecida em várias regiões portuguesas e no México no início de seiscentos”, segundo Luís Henriques, e ainda Duarte Lobo, que foi mestre de capela da Catedral de Lisboa, de quem foi gravado Magnificat Primi Toni. Também desta “geração de ouro”, foi gravado o motete Mulier quae erat, de frei Manuel Cardoso, mestre de capela do Convento do Carmo, em Lisboa.
Da segunda geração de setecentos, foram gravadas peças do mestre de capela da Sé de Viseu, Estêvão Lopes Morago, dois responsórios pro defunctis e três motetes para o Advento, e ainda, de Manuel Rebelo, mestre de capela da catedral eborense, o motete Regina Caeli. De Francisco Martins, originário de Évora e mestre de capela na Catedral de Elvas, foi gravado o responsório das Matinas de Sábado Santo, Plange quase virgo, de pleno século XVII. As peças de polifonia vocal a cappella escolhidas foram compostas para determinados períodos do calendário litúrgico católico, nomeadamente o Advento, a Quaresma e a Semana Santa.
Luís Henriques salientou a gravação de peças “de extrema expressividade, bem como uma apurada técnica contrapontística e controlo da dissonância”, como os motetes Adjuva nos Deus e Salve Regina, de Diogo Dias Melgaz, discípulo de Manuel Rebelo e seu sucessor, ou o salmo Beati omnes, de Pedro Vaz Rego, que por seu lado sucedeu a Melgaz, na Catedral de Évora.
O musicólogo chama ainda a atenção para uma série de cinco motetes destinados aos domingos da Quaresma, e para uma Missa Dominicalis do tempo do Advento e da Quaresma, de Afonso Lobo. Luís Henriques defende a origem eborense deste compositor, afirmando que a atribuição destas obras ao espanhol Alonso Lobo (1555-1617), por vários estudos, constitui “uma parte estranha da produção deste compositor, uma vez que só existem em dois livros de coro de Évora”. Opinião partilhada por Armando Possante. Para o maestro, estas peças, “quando comparadas às obras de Melgaz ou Perdigão, parecem estar mais próximas dos compositores eborenses que propriamente do compositor espanhol”. Possante afirma mesmo que se pode “estar na presença de um compositor até agora desconhecido”.
Luís Henriques indica ainda, no alinhamento do CD, peças que se inscrevem “num repertório polifónico que revela grande domínio contrapontístico, o que, frequentemente, contrasta com obras em estilo concertado”, casos das peças de autoria de André Rodrigues Lopo, Miguel Anjo do Amaral e Francisco José Perdigão.
Para as traduções dos textos sacros das obras musicais, o grupo optou pelas de Frederico Lourenço, a partir da sua edição da Septuaginta, a chamada Bíblia Grega.
O Grupo Vocal Olisipo foi fundado em 1988, e é constituído por Elsa Cortez, Maria Luísa Tavares, Lucinda Gerhardt, Carlos Monteiro e Armando Possante, que o dirige desde a sua fundação. Ao longo da sua actividade, o grupo trabalhou com o Hilliard Ensemble, The King's Singers e a soprano Jill Feldman, entre outros músicos.
O grupo conquistou uma menção honrosa no Concurso da Juventude Musical Portuguesa e o 1.º prémio nos concursos internacionais May Choir Competition, em Varna, na Bulgária, Tampere Choir Festival, na Finlândia, e no 36.º Concorso C.A.Seghizzi, em Gorizia, e no V Concorso di Riva del Garda, ambos em Itália.