Movimento faz “último apelo” à Câmara de Sintra para demolição do “mono” construído na Gandarinha
Projecto para a construção de hotel tem sido muito contestado pela população que diz que a Paisagem Cultural de Sintra se está a desfigurar mesmo à entrada do centro histórico da vila.
O movimento de cidadãos QSintra apelou esta segunda-feira ao presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta (PS), para que faça a “demolição de tudo o que é intolerável no mono” construído na Quinta da Gandarinha.
Numa carta aberta enviada ao presidente da autarquia, o movimento alega que a construção, por agora embargada, de um hotel na Quinta da Gandarinha é um “crime paisagístico” que “está a ser viabilizado com o beneplácito da câmara, do Ministério da Cultura e do Ministério Público”, e pede a sua demolição.
Em 2005, ainda no mandato de Fernando Seara (PSD) à frente do município, foi aprovada a edificação de um hotel na Quinta da Gandarinha, decisão que o movimento qualifica como “ilegal” por “violar o regulamento municipal aplicável”.
Madalena Martins, representante do QSintra, explicou, em declarações à agência Lusa, que este “é um último apelo” do movimento, que diz ter conhecimento de que está “iminente” um parecer da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) “eventualmente favorável” à conclusão da obra e que a autarquia se prepara para, em seguida, levantar o embargo da obra.
O movimento aponta várias irregularidades em todo o processo iniciado em 2005 e acusa os responsáveis das entidades que devem zelar pelo cumprimento da lei e pela preservação do património de “não quererem emendar o erro nem repor a legalidade”.
“Todos têm, se quiserem, razões de interesse público para travar o monstro. Podem e devem, todos, viabilizar uma solução que defenda o bem comum e garanta a demolição de tudo o que é intolerável no mono já construído”, defende o movimento, admitindo que “reverter os erros cometidos exige um investimento público significativo, mas, em vez do prejuízo incalculável causado pelo impacto da obra, dará dividendos ao território e a quem o habita e visita”.
Diz ainda o QSintra que Basílio Horta, que acusa de ter dado “nova vida” ao projecto, deve inverter o rumo e apostar em deixar uma marca positiva no seu mandato com a demolição desta obra.
“Deve haver negociações, indemnizações, o que for preciso, mas que será certamente muito menos do que o prejuízo que ficará ali para sempre, para Sintra e para o seu estatuto de património mundial. É uma questão de bom senso e sensibilidade”, afirma Madalena Martins.
O movimento considera que Basílio Horta “sairia prestigiado” se anulasse a aprovação que Fernando Seara deu ao projecto em 2005, “daria coerência à estratégia camarária de condicionamento do trânsito no centro histórico, estaria a promover a tão necessária reflexão sobre o turismo que se quer para Sintra e daria uma excelente aplicação ao dinheiro dos contribuintes e ao folgado orçamento municipal”.
Contudo, descrente de que tal possa vir a suceder, Madalena Martins diz mesmo que “há uma manobra administrativa, uma artimanha” para viabilizar a obra de acordo com o PDM de Sintra que foi aprovado no ano passado e refere que, caso a autarquia “não faça nada”, compete ao Governo e à ministra da Cultura entrar em acção.
“Se o presidente da CMS não quiser reconsiderar tudo isto e o Ministério Público continuar indiferente às ilegalidades que estão ali evidentes, achamos que cabe ao Governo abandonar a apatia em que tem estado e, na figura da ministra da Cultura, tomar uma decisão”, conclui.
Obra embargada à espera de decisão da DGPC
Questionada pela agência Lusa sobre este tema, a Câmara de Sintra (CMS) refere que o embargo da obra, decretado em Fevereiro de 2019, está em vigor até decisão em contrário da DGPC.
“A CMS detectou inconformidades no projecto e embargou a obra. Cabe ao dono da obra corrigir os problemas identificados e, se a DGPC der parecer favorável, a CMS levanta o embargo”, disse fonte da autarquia à Lusa.
Em 15 de Fevereiro, a Lusa noticiou que a Câmara Municipal de Sintra embargou a obra do hotel na Casa da Gandarinha, no centro histórico da vila, alegando “desconformidades” com o projecto que foi aprovado e licenciado, situação que se mantém.
“Na sequência de uma fiscalização à obra, determinada pelo presidente da Câmara Municipal de Sintra, foram detectadas desconformidades com o projecto aprovado e licenciado, que justificaram o embargo, hoje determinado pelo presidente da Câmara”, disse, na altura, à Lusa fonte da autarquia.
Segundo a mesma fonte, as desconformidades identificadas configuram “irregularidades” e deverão ser objecto de “pedido de licenciamento tendente à sua legalização, ficando a obra embargada até finalizado o respectivo procedimento”.
Num documento a que a Lusa teve acesso, as desconformidades em causa dizem respeito ao aumento das áreas de estacionamento, rectificados os vãos e reduzida a edificação nova prevista e recuado o muro na rua Luís de Camões.
A empresa Urbibarra adquiriu em 1997 a Gandarinha, imóvel do século XIX onde funcionou uma instituição de protecção a raparigas abandonadas, em fase avançada de ampliação para o futuro Turim Sintra Palace Hotel.
O projecto, com 100 quartos, salas de reuniões e 137 lugares de estacionamento, foi aprovado em Setembro de 2005, mas o Ministério Público questionou a autarquia, em 2007, se estava disponível para a “reposição da legalidade” face a infracções ao Plano de Urbanização de Sintra, relacionadas com índices de construção e afastamentos à estrada.
O licenciamento foi deferido em 2011, mas o então presidente da câmara indeferiu, em Julho de 2013, um segundo pedido de prolongamento do prazo para emissão do alvará, porque os serviços concluíram que o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) só admite “uma única” prorrogação.
A empresa requereu o deferimento tácito do pedido de prorrogação de prazo ou aplicação do regime excepcional de extensão de prazos, previsto em decretos-lei de 2010 e 2013, para minimizar a crise na construção.
Duas informações municipais, já na presidência de Basílio Horta, consideraram que os diplomas não se aplicavam ao processo e outro técnico salientou que um novo projecto teria de ponderar, entre outros aspectos, a falta do estudo hidrogeológico exigido pelo Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR).
O presidente da autarquia, com uma nova informação atestando o “interesse público” da reabilitação urbana e com base na extensão de prazos de 2013, revogou, em Abril de 2014, o despacho de Fernando Seara, autorizando “uma prorrogação, por três meses”, para ser pedida a licença.
Em Janeiro deste ano, o Ministério Público instaurou um novo procedimento administrativo para verificar a legalidade da revogação da caducidade, em 2013, pelo presidente da Câmara de Sintra do licenciamento do hotel.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), numa resposta enviada à agência Lusa, informou que “tendo o Ministério Público da jurisdição administrativa tomado conhecimento informal da revogação da declaração de caducidade do licenciamento em causa, foi determinada a instauração de novo PA [procedimento administrativo]”.
“Este procedimento tem em vista aferir da legalidade do despacho que revogou a declaração de caducidade do licenciamento em causa - declaração de caducidade essa que foi o único fundamento para o despacho de arquivamento” de anterior PA, explicou a PGR.
Segundo a Procuradoria, o novo processo visa também verificar, “caso venha a ser caso disso, da legalidade do próprio licenciamento de construção”, determinando-se que “ficasse apenso” o anterior PA ao que está em curso.
O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em Outubro de 2013, comunicou à câmara o arquivamento de uma acção de verificação de legalidade da ampliação para hotel da Casa da Gandarinha, entre São Pedro e o centro histórico.