As barreiras à produção descentralizada de eletricidade

A pequena escala é um modelo com muitas vantagens, permitindo, por exemplo, que a indústria garanta até 30% das suas necessidades energéticas. Mas a indefinição de conceitos e de critérios, a dificuldade de licenciamento e as burocracias sem fim atrasam o seu avanço.

A produção descentralizada de eletricidade é fulcral na estratégia de descarbonização, que não se fará apenas à custa das grandes centrais de produção.

Se, em Portugal, a meta de 7 GW de capacidade instalada para produção centralizada tem visto claros avanços, pelos diferentes mecanismos de atribuição de potência que foram definidos, o grande desafio é catapultar a produção descentralizada, que deverá passar de 0,5 para 2 GW, de acordo com o Plano Nacional de Energia e Clima 2030.

A pequena escala é um modelo com múltiplas vantagens, desde logo técnicas. A produção mais próxima do local de consumo evita perdas na rede. Por outro lado, potencia a coesão dos territórios de norte a sul do país e promove o emprego fora dos grandes centros urbanos, com reduzidos impactes ambientais comparativamente à produção centralizada. Ao monitorizarem os seus consumos, as empresas passam também a alavancar outros aspetos da transição energética, como a eficiência energética, reduzindo os seus próprios custos e tornando-se mais competitivas.

Mas há uma pergunta que se impõe. Que barreiras estão a bloquear o avanço deste modelo?

Um dos entraves à produção descentralizada advém da indefinição de conceitos. As questões técnicas associadas aos conceitos de autoconsumo, autoconsumo coletivo e comunidades de energia não estão ainda perfeitamente claras.

Produção distribuída deveria ser sinónimo de flexibilidade, inovação, democraticidade, estandardização, digitalização, interatividade e agilidade, mas ainda significa morosidade e entropia associada a custos elevados e critérios desmesurados.

Uma limitação prende-se com a integração da eletricidade na rede. O conceito de autoconsumo pressupõe que a eletricidade produzida numa habitação ou numa fábrica seja consumida maioritariamente no local de produção, mas nas fábricas, por exemplo, o sol continua a brilhar ao domingo e poderá gerar-se um excedente de eletricidade. Esse recurso pode e deve ser aproveitado. Se esse excedente não for injetado na rede, em momentos pontuais, essa energia é desperdiçada.

Contudo, por motivos de indisponibilidade de rede e reserva da mesma para os projetos de larga escala em pipeline, todos os projetos de autoconsumo que possuíam esta componente de injeção na rede, que está prevista na lei, estão a ser impossibilitados de o fazer, tornando-os significativamente mais dispendiosos.

Para que o autoconsumo coletivo e as comunidades de energia sejam uma realidade é necessário que a rede consiga receber os excedentes de eletricidade e que o mercado esteja preparado para a transacionar.

A pequena escala também deveria ser contemplada aquando da atribuição de pontos de ligação à rede com uma discriminação positiva. Afinal, do total de capacidade de autoconsumo instalada, cerca de 215 MW, apenas cerca de 6% é injetado na rede.

A regulamentação tem de ser revisitada de forma a que os benefícios inerentes a uma comunidade de energia ou um sistema de autoconsumo coletivo possam existir. Se é verdade que pode optar-se por um modelo simples, que se limite a uma central fotovoltaica com dois participantes, pode acontecer também que o cenário seja mais complexo com várias centrais renováveis, muitos utilizadores e sistemas de armazenamento coletivos.

Para se retirar o máximo valor destes conceitos deve caber a cada entidade gestora definir a matriz que otimize o seu sistema, decidindo se aproveita ou não o armazenamento e a troca de energia entre pares. Esta situação ainda não é possível, mas é urgente implementá-la, de forma a potenciar novos modelos de negócio. A matriz de partilha deve, por isso, permitir maior liberdade e criatividade.

No âmbito de um processo de aprovação de um parque de estacionamento com painéis fotovoltaicos são diversas as interpretações que surgem por parte das autarquias, não só em relação ao tipo de edificação, como no que diz respeito a taxas e ao licenciamento. É urgente uniformizar as questões técnicas e requisitos para que todos falem a mesma linguagem.

Não se justifica que a instalação de 100 ou 200 kW exija um processo de licenciamento semelhante ao das grandes centrais ao nível municipal. Um projeto de autoconsumo, ao contrário de uma grande central, será integrado no imóvel ou equipamento urbano já existente. 

Contudo, a componente de licenciamento local não é a única barreira, é preciso que o licenciamento seja ágil, quer em relação à componente energética, quer em relação às questões que se prendem com as autarquias.

A burocracia associada a estes licenciamentos é enorme. Há gargalos do ponto de vista de regulação, inspeção e certificação dos projetos que dilatam os prazos e assustam os promotores.

Estas dficuldades prendem-se sobretudo com a falta de recursos humanos e técnicos, por parte da entidade licenciadora – a Direção Geral de Energia e Geologia. O correto funcionamento do portal do autoconsumo, que deveria permitir que os processos fossem licenciados de forma automática online, cumprindo os parâmetros legais, é uma peça chave, que atualmente não funciona.

Com o autoconsumo, uma indústria poderá garantir até 30% das suas necessidades energéticas. Se pensarmos que o custo com a energia para as empresas portuguesas representa entre 12 e 25%, significa que as empresas podem poupar entre 5 a 10%, aumentando a sua sustentabilidade económica. Este tipo de investimento pode alavancar negócios e, por essa razão, a pequena escala constitui um balão de oxigénio para empresas, sobretudo nesta fase conturbada.

Neste setor, Portugal vai à frente de outros países europeus. Foi dos primeiros a viabilizar economicamente a pequena distribuição sem qualquer tipo de incentivos ou subsídios. Mas urge passar da teoria à prática. E o primeiro passo é eliminar barreiras.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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