Estado de emergência deixa de ser mínimo mas vai funcionar a várias velocidades
Proposta presidencial prevê diferenciação de medidas por concelho, confinamentos compulsivos e profissionais de saúde agarrados ao SNS. Parlamento aprova nesta sexta-feira o decreto e Conselho de Ministro define no sábado novas medidas concretas.
Se há duas semanas o Presidente da República anunciava um estado de emergência mínimo, na renovação agora proposta essa palavra desapareceu do léxico político. Nem podia: o decreto de renovação do estado de emergência, que vigorará até 8 de Dezembro, aumenta substancialmente o leque de direitos que passam a poder ser limitados pelo Governo. A boa notícia é que as restrições à mobilidade vão funcionar a diferentes velocidades, de acordo com o nível de infecções em cada município. Pior é o aviso de Marcelo: preparem-se, isto vai durar meses.
Confinamentos compulsivos, profissionais de saúde impedidos de abandonar o Serviço Nacional de Saúde, empresas e estabelecimentos sujeitos a mudanças de horário ou até a serem encerrados, dados pessoais menos protegidos e previsão de que pode haver ruptura de medicamentos ou material sanitário são algumas das possibilidades agora explicitadas no decreto de renovação do estado de emergência, mais parecido com o que esteve em vigor na primeira vaga – à excepção do dever de ficar em casa.
Isso (ainda?) não: o decreto enviado ao Parlamento na tarde desta quinta-feira e que deverá ser aprovado nesta sexta-feira, pelo menos por PS e PSD, mantém a previsão de que escolas, comércio e serviços se mantenham a funcionar, ainda que com as restrições que o Governo venha a decidir em cada momento e região, consoante a progressão da pandemia. Novas medidas serão anunciadas no sábado, após mais um Conselho de Ministros extraordinário.
Esta quinta-feira até parecia que tínhamos voltado aos primeiros meses da pandemia. Depois de quatro meses, os políticos voltaram a reunir-se no Infarmed para ouvir os especialistas falar sobre a situação epidemiológica nacional. E o que ouviram não descansa ninguém.
O pico da segunda vaga de infecção ainda não chegou - está previsto para as próximas duas semanas - e só nas semanas seguintes se verificará o pico dos óbitos. Manuel Carmo Gomes avisou que podemos chegar a uma centena de mortes por dia nas vésperas do Natal. Como se não bastasse, já se fala de uma possível terceira vaga lá para Fevereiro.
À saída da reunião, Marcelo justificava assim a necessidade de manter o país em estado de emergência: “Os números, a tendência, a pressão sobre os internamentos nos cuidados intensivos apontam para isso”. Pior: avisou que se trata de “um desafio que continua nas semanas e meses subsequentes” e anunciou a “predisposição para subsequentes renovações do estado de emergência” até se “esmagar a curva e ter uma evolução positiva”.
Não foi tão longe como o primeiro-ministro António Costa, que já há duas semanas avisara que o estado de emergência podia durar até ao fim da pandemia. Marcelo tentou até trazer alguma luz ao fundo do túnel, quando repetiu o que ouviu sobre a vacinação em Portugal: as vacinas podem começar a chegar em Janeiro, mas a vacinação da população pode demorar meses.
Confinamentos e dados clínicos
Numa leitura mais fina, o decreto proposto ao Parlamento é muito mais extenso e explicita outras situações em que os direitos pessoais, dos trabalhadores e da iniciativa privada podem vir a ser afectados. É o caso dos confinamentos obrigatórios de infectados, que passam a estar previstos explicitamente, ao contrário do que acontecia no primeiro decreto.
“Na medida do estritamente necessário e de forma proporcional, [pode ser decretado] o confinamento compulsivo em estabelecimento de saúde, no domicílio ou, não sendo aí possível, noutro local definido pelas autoridades competentes, de pessoas portadoras do vírus SARS-CoV-2, ou em vigilância activa”, lê-se no elenco das limitações de direitos fundamentais que passam a ser permitidas.
É também aí que se prevê agora a diferenciação de medidas por concelho, “em função do grau de risco de cada município”, que deverão ser “agrupados de acordo com os dados e avaliação das autoridades competentes”.
O decreto presidencial prevê também, explicitamente, que pode haver necessidade de tratamento de dados pessoais, por exemplo para proceder à medição de temperatura ou realizar testes de diagnóstico, mas sublinha que não será permitido “guardar memória ou registo das medições de temperatura corporal efectuadas nem dos resultados dos testes de diagnóstico de SARS-CoV-2”.
No que diz respeito à iniciativa privada, fica aberta a possibilidade de ser ordenado “o encerramento total ou parcial de estabelecimentos, serviços, empresas ou meios de produção e impostas alterações ao respectivo regime ou horário de funcionamento”.
Antecipando-se a alguma dificuldade na distribuição de medicamentos e produtos sanitários, o decreto retoma uma medida que tinha sido tomada na primeira fase do estado de emergência, entre Março e Maio, e permite ao Governo adoptar medidas especiais para garantir a “normalidade na produção, transporte, distribuição e abastecimento de bens e serviços essenciais à actividade do sector da saúde”. O objectivo é “assegurar o acesso e a regularidade no circuito dos medicamentos e vacinas, dos dispositivos médicos e de outros produtos de saúde, como biocidas, soluções desinfectantes, álcool e equipamentos de protecção individual”.
Outra nova restrição prevista neste decreto diz respeito à saída, por livre iniciativa, de funcionários do Serviço Nacional de Saúde, como o PÚBLICO já tinha avançado. "Pode ser limitada a possibilidade de cessação dos vínculos laborais dos trabalhadores dos serviços e estabelecimentos integrados no SNS”.
Escolas e restaurantes? O essencial é a máscara
À saída da reunião do Infarmed, que volta a realizar-se de 15 em 15 dias, Marcelo deixou sublinhou que, por mais medidas que sejam tomadas, o essencial da prevenção passa pela atitude das pessoas e que, de entre as regras já conhecidas, a mais importante é o uso de máscara. E aí, afirmou, “os portugueses têm sido exemplares.
Questionado sobre o que dizem os especialistas sobre o risco de transmissão nas escolas e na restauração, Marcelo disse que os especialistas confirmaram não existir um nexo entre ensino presencial e aumento das infecções nem que a restauração seja um factor de risco, sendo preponderante o comportamento das pessoas.
O Presidente reconheceu também que tem aumentado o nível de críticas em relação às medidas decretadas pelo Governo, mas afirmou que isso está a acontecer em Portugal como em toda a Europa. “Um estudo revela que a subida do sentido crítico em relação aos governos e à resposta das estruturas de saúde corresponde ao agravamento da pandemia”, frisou.