Um banho de água fria para quem já faz reciclagem

É inaceitável que os portugueses que já reciclam tenham, no limite, de esperar cinco anos para deixarem de pagar, com a factura da água, o lixo que não produzem, como prevê a legislação de resíduos em consulta pública.

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Ines Fernandes

Na legislação sobre resíduos que está, até esta sexta-feira, em consulta pública, o Governo dá cinco anos às câmaras para deixarem de nos cobrar pelo lixo uma tarifa indexada ao que nos cobram pela água que consumimos. Conhecendo o país, está visto que, a menos que algo de substancial mude pelo caminho, quem puder vai manter tudo como está, até à data limite. Cobrar mais lixo a quem toma mais banho é tão fácil quanto injusto, gera receitas e não gera, pelo que se vê, grandes protestos por parte dos cidadãos. Que não interiorizaram a injustiça porque nunca lhes foi devidamente explicado que, num sistema optimizado, talvez pudessem pagar muito pouco, uma ninharia, pelo tratamento de resíduos sólidos. 

Na verdade, de tudo aquilo que vai para o lixo, a maior parte tem um valor económico...que está a ser atirado ao lixo. Enquanto consumidores, todos nós já pagamos, no preço de muitos dos produtos que compramos, o valor estipulado para a reciclagem das respectivas embalagens, ou do produto em si, no caso, por exemplo, dos electrodomésticos. O que custa muito dinheiro aos municípios é o tratamento do lixo indiferenciado ou daquele que, tendo sido mal separado, acaba também num aterro ou numa incineradora. Ou seja, a minoria de portugueses que já separa o lixo em casa está a pagar por todos os outros que não o faz. E, nalguns casos, o que paga não é pouco.

Estas pessoas levam uma pancadinha nas costas. Estão a contribuir para um país e um planeta melhor, mas partilham o prejuízo sem que os outros partilhem o trabalho que têm. E enquanto esperamos que a consciência ambiental impeça que uns desistam, a estes outros teimamos em não os acordar para a realidade: se eu consumo, se isso gera desperdício, não basta deitá-lo fora de qualquer maneira, pagar uma conta, e fazer de conta que o problema é dos outros. 

Mas isso é algo que a maioria de nós só perceberá quanto esse fazer de conta implicar uma conta bem mais alta da que paga o vizinho que já cumpre. Se duvida disto, recorde o que aconteceu, quase de um dia para o outro, com o consumo de sacos de plástico, a partir do momento em que o Estado impôs que passassem a ser pagos. Veja o que está a acontecer também com os mecanismos de incentivo, em dinheiro ou vales, à reciclagem de garrafas de plástico. Dois exemplos de um sucesso alcançado a partir do momento em que, negativa, ou positivamente, nos mexem na carteira.

O que não se percebe é que tenhamos, eventualmente, de esperar cinco anos para pôr este mecanismo a funcionar nos resíduos urbanos. Ontem já era tarde, e é inaceitável é que aqueles que impediram que os números do país, em matéria de reciclagem, fossem ainda piores – e aqui, declaração de interesses, incluo a minha família – continuem a ter de fechar os olhos a esta injustiça, e a pagar pelo lixo que não fazem enquanto abrem uma torneira. Neste aspecto, a actual legislação é um verdadeiro banho de água fria.

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