Relatórios de localização celular não batem certo com o que se passou em Tancos, diz arguido

Depois de líder do assalto ter negado desligamento dos telemóveis na noite do roubo, foi a vez de militar da GNR pôr em causa fiabilidade da localização celular.

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Daniel Rocha

É a segunda vez que arguidos do caso de Tancos põem em causa os relatórios de localização celular em que se baseou o Ministério Público para concluir quem esteve onde na noite do assalto e também noutros momentos anteriores e posteriores.

Primeiro foi o líder do assalto, o ex-fuzileiro João Paulino, a garantir que nem ele nem os seus companheiros desligaram os telemóveis na noite do furto, a 27 de Junho de 2017, ao contrário do que aparece descrito na acusação. Esta segunda-feira foi a vez de Bruno Ataíde, o guarda do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé que fazia a ponte entre as autoridades e o ex-fuzileiro, apontar em tribunal várias alegadas incongruências entre o que se terá passado no terreno até ao reaparecimento do armamento militar, por um lado, e, por outro, aquilo que surge assinalado nos relatórios de localização celular dos aparelhos dos suspeitos. As granadas, munições e demais explosivos roubados foram colocados por João Paulino e por dois cúmplices num terreno na Chamusca na noite de 17 de Outubro daquele ano, depois de ter combinado a devolução com Bruno Ataíde e outro elemento da GNR. A Polícia Judiciária Militar e os guardas encenaram então uma operação de “descoberta” do material roubado.

“Nenhum dos agentes com telemóveis da Meo que estiveram na Chamusca accionaram a antena da Chamusca desta operadora”, tendo ficado registados como tendo estado no Entroncamento, observou Bruno Ataíde, pondo em causa a análise feita pela Polícia Judiciária sobre a localização celular. “O analista que a fez não se limitou aos factos. Efectuou extensas interpretações, apesar de não ser essa a sua função”, declarou o guarda, apontando falhas a esse trabalho e recordando o dia em que, apesar de estar numa missão relacionada com Tancos com um superior hierárquico, ambos accionaram antenas diferentes.

“Os investigadores do caso apenas extraíram uma ínfima parte das geolocalizações” registadas relativamente aos suspeitos, garantiu. No seu entender, escolheram aquelas que encaixavam na tese da acusação. Prova disso, acrescentou, são os ficheiros Excel que existem no processo, que em vez de conterem todas as informações fornecidas pelas antenas - por exemplo discriminando o tipo de tráfego registado em cada aparelho - "apresentam várias colunas vazias”. 

Um colega seu que prestou também depoimento em tribunal esta segunda-feira de manhã, o arguido José Gonçalves, corroborou as afirmações de João Paulino, dizendo também que nunca desligou o telemóvel nas alturas em que o Ministério Público afiança que o fez: “Nunca o desligava. Andava sempre com duas powerbanks, por causa da bateria”. 

Não é o primeiro caso judicial em que a fiabilidade das antenas de telemóveis é posta em causa no que respeita à localização celular. No processo do Meco, quando o suspeito da morte dos colegas accionou, na noite do afogamento antenas muito afastadas, na Caparica e em Oeiras. Nos esclarecimentos técnicos que enviou ao tribunal, a Vodafone admitiu na altura que as condições atmosféricas pudessem dar origem a um fenómeno desse tipo.

Ouvido também esta segunda-feira no Tribunal de Santarém foi o coronel que dirigia a investigação criminal da GNR quando o material bélico reapareceu na Chamusca, Amândio Marques. Nesse mesmo dia à tarde teve lugar uma reunião no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), na qual participaram não só os procuradores que dirigiam a investigação como também representantes da Guarda e da Polícia Judiciária Militar, bem como aquele que se viria a tornar mais tarde o director nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, que apareceu acompanhado de um outro inspector. 

Negando sempre ter algum dia percebido que os homens da GNR andavam a ajudar a Judiciária Militar na recuperação do armamento de Tancos, o coronel Amândio Marques diz recordar-se de aquela reunião ter tido um carácter algo insólito, uma vez que havia gente a sair com frequência da sala para resolver problemas ao telefone, como o dos inspectores da Judiciária Civil que naquele momento os militares estavam a barrar à entrada do campo militar de Santa Margarida, local para onde tinham sido transportados os caixotes recolhidos na Chamusca. A acta da reunião, a que presidiu o então director do DCIAP, Amadeu Guerra, seria mais tarde feita pelo tal outro inspector. “Estava sempre a sair para fazer telefonemas. É uma acta parcial, feita por alguém que não acompanhou a reunião”, descreveu o coronel na sala de audiências. 

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