Face às críticas, externas e internas, PSOE nega qualquer acordo com independentistas bascos
Sánchez irritou-se por conhecer as opiniões de alguns barões socialistas através da imprensa. Apoio do Bildu à proposta de orçamento do Governo é o início da “fractura” de Espanha, diz Aznar.
Para fazer aprovar a proposta de Orçamento de Estado no Congresso e permitir que esta inicie o percurso de negociações parlamentares até à votação definitiva, em Janeiro, o Governo de coligação que une os socialistas espanhóis (PSOE) ao Unidas Podemos precisou de reunir apoios bem diferentes entre si, de parte dos independentistas catalães aos liberais do Cidadãos. Mas o apoio mais surpreendente, e o que está a provocar as críticas mais acesas, foi o dos independentistas bascos do Bildu.
As maiores críticas vieram da oposição, nomeadamente do PP – a direita conservadora de Pablo Casado tentou sem sucesso derrubar a proposta de Orçamento. Mas entre a votação, na quinta-feira, e a reunião da comissão executiva do PSOE, que esta segunda-feira debateu o tema, também houve vários barões socialistas a mostrar o seu desagrado face ao entendimento do executivo com a esquerda soberanista basca.
Na reunião, o presidente do Governo e secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, mostrou-se irritado por ter tido conhecimento de algumas posições através das redes sociais e da imprensa. “A lealdade é importante”, disse Sánchez, segundo o jornal El País, que diz ter consultado “uma dezena de fontes”. “Todos têm o meu telefone e eu atendo sempre”, insistiu.
De acordo com o relato do encontro feito pelo jornal infoLibre, Sánchez fez duas intervenções e só à segunda tocou no assunto, precisamente depois de ter ouvido o presidente da Junta da Extremadura, Fernández Vara, pedir desculpas por ter dado a conhecer a sua opinião sobre a votação das contas públicas nos media em vez de a guardar para a comissão executiva.
Na verdade, a primeira reacção deste histórico dirigente socialista foi feita no Twitter, onde escreveu que “ver Otegi ser chave para decidir os PGE [Orçamentos Gerais], do Estado que combateu a partir de um grupo terrorista, dá-me uma sensação muito dolorosa”.
Arnaldo Otegi, actual coordenador-geral do Bildu, foi porta-voz do Batasuna, o partido ilegalizado por ser considerado o braço político da ETA. Em 2011, a Audiência Nacional, que julga os processos de terrorismo em Espanha, considerou que Oregi pertencia à organização terrorista “como dirigente” e condenou-o a dez anos de prisão – uma sentença entretanto anulada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por falta de imparcialidade da juíza presidente. Meses antes da condenação, Otegi tinha tido um papel fundamental no processo que levou a ETA a anunciar o fim da luta armada.
Fernández Vara não foi o único barão a mostrar-se descontente por ter havido negociações entre a coligação de Governo liderada pelos socialistas e esquerda abertzale (independentista) basca. Poucas horas antes do início da reunião da liderança do PSOE, era Alfonso Guerra, vice-presidente do Governo de Felipe González, a afirmar à TVE que “há muitos socialistas com um nó na garganta”. Sánchez, disse, “está preso numa teia de aranha que ele próprio teceu […], disse mil vezes que com o Bildu não negociaria nada, e fê-lo”.
Perder tempo com “ninharias"
No encontro, Sánchez negou a existência de um acordo com o Bildu. De acordo com o infoLibre, Sánchez sublinhou a importância do momento actual, com a crise provocada pela pandemia de covid-19, e pediu aos dirigentes que não percam tempo com “ninharias”, defendendo que os espanhóis não compreenderiam que os seus governantes se distraíssem da recuperação económica.
Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião, o secretário de organização do PSOE, José Luis Ábalos, garantiu também que não há qualquer “pacto” nem acordo com o Bildu, lembrando que o Governo, em minoria, “não pode renunciar aos votos de ninguém”.
Apesar do tom das críticas que precederam o encontro, segundo Ábalos todos os membros da comissão (50 dirigentes) apoiaram as negociações lideradas por Sánchez. O próprio Vara, disse, “deixou muito claro que apoia o Governo e que a prioridade é apoiar o Orçamento”.
Um “idiota útil"
Do exterior do PSOE, as críticas não vão deixar de se fazer sentir. A par dos actuais dirigentes da oposição de direita, antigos governantes decidiram também não deixar passar em claro esta aproximação pontual do Governo aos nacionalistas bascos. O ex-primeiro-ministro José María Aznar, que poucas vezes comenta a vida política espanhola, considerou que este acordo é o início da “fractura” de Espanha.
“O PSOE transformou-se em algo muito triste, numa simples plataforma do Podemos. E digamos que hoje olhar para a cara de Pedro Sánchez é ver a cara de um idiota útil”, disse o antigo líder dos populares, numa entrevista ao jornal Expansión. “A ETA foi derrotada, mas a realidade é que a ETA-Bildu acaba de ser declarado como um partido de gestão do Estado”, considera. Aznar considera, por isso, que Espanha está “fracturada e em retrocesso político, social e económico”, uma situação “muito perigosa”.