Hidradenite supurativa: e se tivesses uma doença subdiagnosticada?

A hidradenite supurativa é uma doença dermatológica crónica que surge maioritariamente nas zonas de fricção, tais como axilas, zona inframamária, virilhas e zona perianal. O aspecto, aparentemente, poderá ser de um furúnculo ou quisto. O diagnóstico correcto, em média, pode demorar dez anos.

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Jovem, a criar amizades, a estudar, a trabalhar e todo um futuro promissor pela frente. Num dia, acordo e tenho uma pequena inflamação localizada. Parece que tenho um quisto. Cresce dia após dia até que rebenta e não pára de drenar pus. Ou será que é um furúnculo?

Tinha 13 anos quando tive o primeiro sintoma. Muitos meses de pensos diários no centro de saúde e uma toma infindável de antibióticos sem qualquer efeito. A doença foi-se ocupando do meu corpo. Axilas, zona inframamária, virilhas e coxas preenchidas de inflamações e nódulos a drenar pus. No desenvolver da doença, isolei-me. Tinha dores, o aspecto das lesões não era nem é o melhor e assim evitava o julgamento por terceiros. Encaminhada pela médica de família para uma consulta de dermatologia, foi-me diagnosticada hidradenite supurativa (HS), aos 20 anos.

A hidradenite supurativa é uma doença dermatológica crónica que surge maioritariamente nas zonas de fricção, tais como axilas, zona inframamária, virilhas e zona perianal – sendo menos frequente, pode aparecer noutras zonas do corpo. Pode surgir em qualquer idade, sendo mais frequente em jovens adultos, sobretudo do sexo feminino. O aspecto, aparentemente, poderá ser de um furúnculo ou quisto. O diagnóstico correcto, em média, pode demorar dez anos. O incómodo e as dores podem tornar-se diárias, diminuindo bruscamente a qualidade de vida do doente, tanto a nível físico como a nível psicológico. As inflamações podem atingir proporções significativas, ser bastante purulentas e libertar um odor forte devido à inflamação. O isolamento social é comum em muitos pacientes. A HS é uma das cinco doenças com maior dificuldade de diagnóstico e considerada, pelos profissionais de saúde, uma das mais debilitantes a nível dermatológico. 

Relativamente ao tratamento, vai desde a aplicação tópica e/ou toma via oral ou injectável de antibióticos, na tentativa de minimizar os efeitos indesejados da HS, até à cirurgia, que consiste na remoção de toda a área infectada. Em Portugal, existe apenas um medicamento com indicação de tratamento para a HS e nem todos os doentes o podem tomar devido aos seus efeitos secundários e historial clínico. 

A nível profissional, manter um emprego pode tornar-se muito difícil. O doente terá de trabalhar muitos dias com dor ou ter uma entidade patronal bastante flexível para que facilite os horários de trabalho. As baixas médicas nem se tornam numa opção quando existem contas para pagar, filhos para sustentar, medicamentos para comprar, consultas para pagar... Para quem tem o seu próprio emprego, pode ser favorável a nível de horários, mas a nível financeiro não será fácil porque poderá ter que estar meses sem trabalhar. Ter uma carreira profissional pode ser um sonho difícil de concretizar e até ter que abdicar do mesmo. 

Entretanto, na especialidade de dermatologia foram mais uns anos a antibióticos sem que surtissem efeito positivo, com as lesões a criar fístulas entre si e a pele a ficar coberta de cicatrizes com aspecto atroz. A remoção cirúrgica de todas as zonas afectadas é o tratamento pelo qual estou a passar actualmente. Em Agosto de 2016 fiz a primeira cirurgia plástica. Foi-me retirada a maior parte da região axilar esquerda, por estar infectada, e reconstruída com recurso a enxerto. Em Janeiro de 2018 passei pelo mesmo processo, mas na região axilar direita. Por ser obesa e ter perdido algum peso, fiquei com o chamado avental. Condição ideal para o aparecimento de inflamações na zona de fricção. Em Setembro de 2020, fiz uma abdominoplastia, onde me retiraram toda a pele lesionada. A recuperação é longa porque a pele de um doente com HS tende muito mais a inflamar num pós-operatório, tornando o processo bem mais moroso comparado com uma pessoa saudável. 

Todos estes acontecimentos levaram-me a criar um espaço de apoio dedicado exclusivamente a doentes com HS, o grupo no Facebook Hidradenite Supurativa - Portugal. Actualmente, estamos a recolher assinaturas para a petição Direitos na Saúde para Doentes com Hidradenite Supurativa. Uma luta para que os doentes tenham acesso aos seus direitos como doentes crónicos. 

Esperamos que a HS venha a ser uma prioridade na área da investigação. Que a comunidade médica partilhe entre si mais informação. E que os doentes possam ter acesso aos seus direitos de doentes crónicos que são. 

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