Rio debaixo de fogo depois do acordo de legislatura com o Chega nos Açores

Da esquerda à direita, partidos e personalidades de todos os quadrantes políticos criticam a aliança que permitiu ao PSD ganhar o Governo açoriano. Marisa Matias e Ana Gomes apontam a Marcelo.

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Rui Rio e André Ventura, no Parlamento ANTÓNIO COTRIM/LUSA/Arquivo

O acordo de legislatura do PSD-Açores com o Chega está a provocar ondas de choque em todo o espectro político-partidário, da esquerda à direita, incluindo no PSD, CDS e Iniciativa Liberal. Mas o assunto está já a contaminar a pré-campanha para as presidenciais, com Marisa Matias e Ana Gomes a apontar directamente a Marcelo Rebelo de Sousa.

“O Presidente da República tem a obrigação de proteger a Constituição. Em relação aos Açores não está a fazê-lo”, escreveu a candidata do BE no Twitter. Isto depois de explicar que o representante da República “é nomeado pelo PR [Presidente da República] e responde-lhe directamente”. “Regista-se que o Presidente da República não vê como um problema a posse de um governo dependente do Chega”, acrescenta a eurodeputada.

Ana Gomes também se referiu ao assunto no Twitter: “O acordo da vergonha de PSD/CDS nos Açores: porque é secreto? Porque representante da República não o divulga? Porque Presidente da República não lhe disse ainda para o publicar? E que opina sobre este acordo Sua Excelência o Presidente da República?”

Os termos do acordo entre o PSD-Açores e o Chega constam da carta que o partido de André Ventura entregou ao representante da República antes da indigitação de José Manuel Bolieiro como líder do governo dos Açores, revelada pelo PÚBLICO esta terça-feira. Nessa carta, com sete parágrafos, os dois deputados açorianos do Chega comprometem-se "a manter esse apoio pelo período da legislatura”, incluindo “todas as decisões a tomar na Assembleia Legislativa Regional que sejam fundamentais para assegurar a estabilidade governativa, designadamente moções de confiança, moções de censura e orçamentos regionais”.

O PS foi o primeiro partido a reagir formalmente. Em comunicado, a comissão permanente considera que essa carta “revela o que já se sabia: A existência de um compromisso nacional do PPD/PSD de que será apresentada no Parlamento uma proposta de revisão da Constituição, tendo em vista uma profunda reforma no sistema de justiça e uma reforma do sistema político”.

Para os socialistas, “esta confirmação, através de André Ventura, revela uma nova faceta no PSD” presidido por Rui Rio: “A de um PSD capaz de vender a alma ao diabo, hipotecando-se a propostas de reposição da barbárie, como a prisão perpétua ou a castração química, para atingir o exercício do poder”.

“Revela também um Rui Rio capaz de recorrer à linguagem dúplice para esconder a verdade dos portugueses sobre o seu acordo com o Chega e, por último, mas não menos importante, a revelação de um PSD capaz (sendo o primeiro a fazê-lo, mesmo na sua família política) de dar o seu patrocínio político à normalização de propostas populistas, xenófobas e contra civilizacionais”, acusa-se no mesmo comunicado. Na perspectiva da direcção do PS, “Rui Rio e o PPD/PSD merecem uma severa censura política, quer por duplicidade com os portugueses, quer por cumplicidade com a extrema-direita xenófoba”.

Também o Bloco de Esquerda criticou essa duplicidade. “Eu julgo que o PSD está envolto numa contradição gigantesca. O doutor Rui Rio já disse uma coisa e o seu contrário várias vezes. Disse que não faria um acordo com um partido xenófobo, racista, que apela ao ódio, e fez esse acordo”, afirmou Catarina Martins esta terça-feira aos jornalistas.

Rui Rio defendeu-se ainda na segunda-feira das fortes críticas que já se ouviam sobre o acordo, insistindo que as propostas negociadas entre os dois partidos “não são fascistas, nem de extrema-direita”, mas sim matérias nas quais existe uma base de entendimento entre o PSD e o Chega que admitiu poder vir a tornar-se nacional, se o Chega se moderar. “No futuro, no continente, já tive oportunidade de dizer isto e deu origem a não sei quantos incêndios políticos. Se o Chega se moderar, pode haver hipóteses naturalmente de diálogo. Se o Chega não se moderar, não há hipótese de diálogo. Nos Açores moderou-se”, concluiu o líder do PSD.

"Incompatível” com o PSD

Mas no PSD esta posição merece muitas reservas e nem todos estão satisfeitos com o acordo celebrado com o Chega nos Açores. Ouvido esta manhã no Fórum TSF, Miguel Poiares Maduro defendeu que, no caso de Chega, falar de moderação só pode ser possível se estivermos a falar de outro partido. “Se o partido deixar de ser aquilo que é, se a identidade política for diferente, é um partido diferente. Essa questão não se coloca nesses termos. Para mim, o Chega é o que é hoje - e o que é hoje torna incompatível qualquer acordo do PSD com o Chega”, declarou o ex-ministro.

Também José Eduardo Martins, deputado e ex-secretário de Estado social-democrata, considera que o acordo nos Açores foi uma falha de estratégia. “Custa-me dar um bocadinho de razão a Vasco Cordeiro, quando diz que isto devia ter passado, antes de mais, pela Assembleia Legislativa Regional - porque, se isso tivesse acontecido, o PSD escusava de ter inaugurado este caminho do qual é muito difícil de regressar”, afirmou também à TSF.

Poiares Maduro e José Eduardo Martins são dois dos mais de 50 subscritores de personalidades de direita que subscrevem o abaixo-assinado "A clareza que defendemos", divulgado esta terça-feira no PÚBLICO, no qual se critica a “inquietante deriva […] nacionalista, identitária, tribal”, que “faz o seu caminho entre forças da direita autoritária e partidos conservadores, liberais, moderados e reformistas. 

“A deriva deve ser enfrentada. E a amálgama tem de terminar quanto antes, sem cumplicidades nem tibiezas”, lê-se no texto onde nunca se fala do Chega nem dos Açores, mas também não se esconde o contexto: “Não se responde à deriva com a amálgama. É preciso deixar bem claro que as direitas democráticas não têm terreno comum com os iliberalismos. É essa clareza que defendemos”.

Entre os subscritores estão os consultores do Presidente da República Nuno Sampaio e Pedro Mexia, os centristas Adolfo Mesquita Nunes, Ana Rita Bessa e Teresa Caeiro, o ex-líder da IL Carlos Guimarães Pinto, e personalidades como Miguel Monjardino, Miguel Esteves Cardoso, Francisco José Viegas, Pedro Norton ou Raquel Vaz-Pinto.

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