Portugal espera iniciar presidência da UE com cofres europeus recheados

Para que o novo orçamento comunitário entre em vigor é preciso concluir o acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu que depois tem de ser ratificado pelos parlamentos nacionais.

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António Costa e Ursula Von der Leyen estavam optimistas em Setembro Rui Gaudencio

O arranque da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, em 1 de Janeiro de 2021, coincidirá com a entrada em vigor do novo orçamento comunitário plurianual, mas para tal é urgente que seja concluído o acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu que depois tem de ser ratificado pelos parlamentos nacionais.

Em Julho, naquela que foi a segunda cimeira mais longa da história da União Europeia, ao cabo de quatro dias e quatro noites de negociações os chefes de Estado e de Governo dos 27 chegaram a um acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, num montante de 1,074 biliões de euros, dos quais caberão a Portugal cerca de 30 mil milhões.

No entanto, quase quatro meses volvidos, Conselho e Parlamento Europeu ainda prosseguem as negociações em torno do orçamento da UE para os próximos sete anos, sendo urgente um compromisso, de modo a que haja tempo para a necessária ratificação pelos parlamentos nacionais com vista a que o quadro financeiro esteja operacional já no início do próximo ano.

A expectativa é de que ainda esta semana o Conselho (Estados-membros) e o Parlamento “fechem” um acordo, até porque já foi ultrapassada, na semana passada, uma das questões mais complexas, a do mecanismo que condiciona o acesso aos fundos comunitários ao respeito do Estado de direito.

Este era um dossiê particularmente sensível, que já havia sido bastante problemático nas negociações de Julho - face à oposição dos principais visados, Hungria e Polónia, designadamente -, mas na última quinta-feira a presidência alemã do Conselho da UE e a assembleia chegaram finalmente a um compromisso político sobre esta matéria.

Ao anunciar o acordo preliminar, a presidência alemã explicou que “o novo mecanismo de condicionalidade irá proteger o orçamento da UE se violações dos princípios do Estado de direito conduzirem a uma utilização indevida dos fundos”, com o Parlamento Europeu a regozijar-se por o novo instrumento não se aplicar somente a casos de corrupção ou fraude, mas também ao incumprimento dos “valores fundamentais da UE que todos os Estados-membros devem respeitar, como a liberdade, democracia, igualdade e respeito pelos direitos humanos”.

Restam agora duas grandes questões por resolver, a dos recursos próprios (as fontes de financiamento da União Europeia) e a da ambição, ou falta dela, do orçamento da União em domínios que o Parlamento Europeu classifica como cruciais.

Por ocasião do acordo de Julho passado, a própria presidente da Comissão Europeia, ainda que sublinhando o “poder de fogo sem precedentes” fornecido pelo Quadro Financeiro Plurianual e o Fundo de Recuperação acordados pelos líderes europeus -- num montante total de 1,8 biliões de euros, dado o chamado NextGenerationEU ter uma dotação de 750 mil milhões de euros -, admitiu que os cortes no orçamento comunitária são “difíceis de engolir”.

“Comecei por dizer que o acordo do Conselho Europeu trouxe a luz no fundo do túnel. Mas com a luz, vem também sombra e, neste caso, a sombra tem a forma de um orçamento a longo prazo muito magro [...] Este orçamento é um comprimido difícil de engolir. E eu sei que esta assembleia sente o mesmo”, afirmou Ursula von der Leyen, ao dirigir-se aos eurodeputados depois do compromisso entre os 27 no verão.

Também o seu antecessor, Jean-Claude Juncker, numa recente entrevista à Fundação Schuman, afirmou-se desiludido com a “falta de ambição” dos líderes europeus em termos da capacidade orçamental da União, manifestando-se em particular “escandalizado” com os cortes impostos pelos chamados países “frugais” face à proposta original apresentada ainda pela sua Comissão.

“O Conselho Europeu cortou no financiamento do programa Erasmus, baixou também o orçamento para a Defesa, para a Investigação, para a Saúde. Estou escandalizado com estas derrapagens, que se devem à influência nociva dos quatro “frugais”, disse, referindo-se às posições negociais de Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca.

Estes quatro Estados-membros, autodenominados “frugais”, acertaram posições durante as negociações sobre o Fundo de Recuperação e o Quadro Financeiro Plurianual, negando-se a aprovar um compromisso mais ambicioso em termos orçamentais.

Todavia, para garantir o indispensável aval do Parlamento, o Conselho deverá ter de ceder e aumentar as dotações financeiras nalguns domínios.

O Parlamento - cuja equipa negocial integra os eurodeputados portugueses Margarida Marques (PS), correlatora para o Quadro Financeiro Plurianual, e José Manuel Fernandes (PSD), correlator para os recursos próprios - há muito que fez saber que considera essencial o reforço orçamental de programas europeus “que não devem ser colocados em risco”, incluindo o Horizonte Europa, o InvestEU, o Erasmus+, o Fundo para uma Transição Justa e o Programa Europa Digital.

A outra grande questão que os negociadores do Conselho e do Parlamento Europeu devem ainda ultrapassar para que tenha início o processo de ratificação do próximo quadro orçamental da União é a do aumento dos “tectos máximos” para financiamento dos programas, tendo a assembleia advertido que não aceita “truques orçamentais”, ou seja, exige dinheiro “fresco”, e não um qualquer mecanismo de flexibilidade para a transferência de verbas de um determinado programa para outro.

No mês passado, por ocasião da entrega do primeiro esboço do Plano de Recuperação e Resiliência à presidente da Comissão Europeia, o primeiro-ministro António Costa apontou que “não há qualquer tipo de divergência” entre a posição de Portugal e a do Parlamento Europeu sobre esta matéria, lembrando que o Governo sempre defendeu “o reforço dos programas comuns da Comissão” e que “foram os “frugais” que exigiram a diminuição dos tectos máximos”.

Uma vez fechadas as negociações em torno do orçamento da UE para o próximo ciclo de sete anos, caberá então à presidência portuguesa a “tarefa absolutamente essencial”, nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, de começar o longo e complexo trabalho da sua implementação.

As fontes de receitas do orçamento da UE têm permanecido inalteradas nos últimos anos - direitos aduaneiros, contribuições dos Estados-Membros baseadas no imposto sobre o valor acrescentado e contribuições baseadas no rendimento nacional bruto -, mas existem agora necessidades de financiamento adicionais que obrigaram a Comissão Europeia a propor recursos próprios adicionais, tais como um imposto baseado nos resíduos de plástico (a introduzir em 2021), e está a ser equacionado, há muito, mas agora com maior urgência, um imposto digital (a introduzir, o mais tardar, até 1 de Janeiro de 2023).

Em conjunto, as receitas dos novos recursos próprios, criados após 2021, serão utilizadas também para ajudar a financiar o reembolso e os juros do financiamento antecipado resultante dos empréstimos contraídos ao abrigo do Fundo de Recuperação, num processo em que este instrumento e o orçamento plurianual estão profundamente interligados.

A alteração da legislação europeia em matéria de recursos próprios exige uma decisão unânime de todos os Estados-Membros e uma aprovação em conformidade com os respectivos requisitos constitucionais nacionais, uma das últimas etapas então em falta para que, em 1 de Janeiro de 2021, Portugal possa assumir a liderança semestral rotativa do bloco europeu já com os cofres europeus munidos para enfrentar o próximo ciclo orçamental, durante o qual a Europa tem de recuperar todo o terreno perdido com a crise da covid-19.