Biden Presidente – um novo impulso para o combate às alterações climáticas
O que pode o novo Presidente eleito dos EUA fazer para reverter a cedência de liderança global para a China a que se assistimos nos últimos anos?
Agora que temos Joe Biden como Presidente democrata dos Estados Unidos, poderemos verificar efetivamente o que poderá ser a ambicionada liderança diplomática dos Estados Unidos no tema central das relações internacionais nos próximos anos.
É razoavelmente fácil entender o declínio da posição dos Estados Unidos. No plano moral, depois de todo o trabalho de mais de uma década para atingir o Acordo de Paris, em larga medida sob a liderança dos Estados Unidos e China, a Administração Trump decidiu há dois anos abandoná-lo – a última salvação para nações inteiras em perigo no planeta devido aos impactes esperados das mudanças já em curso e em larga medida inevitáveis. Na prática, a Administração não abandonou as negociações – as delegações estiveram sempre presentes nas sucessivas reuniões –, mas o desinteresse nas matérias negociais foi evidente ao longo destes últimos quatro anos. Ao sair do Acordo de Paris, a América efetivamente cedeu a liderança a uma China cada vez mais assertiva e orgulhosa e que notoriamente lidera hoje muito do mundo em desenvolvimento, que vê no ressurgimento económico deste país e na coerência do seu discurso um exemplo a emular.
No tema das alterações climáticas, a liderança vem do exemplo – e, ao colocar como objetivo a neutralidade carbónica das suas emissões em 2050, a China colocou a sua ambição a uma fasquia decididamente mais alta do que mesmo os sectores mais progressistas dos Estados Unidos poderiam ambicionar para o seu país. Quanto à Europa, o seu grau de ambição é limitado por divisões internas e, em abono de verdade, pela redução efetuada já nas suas emissões ao longo das últimas décadas. Hoje, seja pela transição demográfica, seja pela transição energética, a União Europeia não pode desempenhar senão um papel de facilitador internacional, de autoridade moral, mas não é aqui neste continente que o problema futuro das emissões será resolvido.
O que pode, portanto, Biden fazer, para reverter esta cedência de liderança global? Em primeiro lugar – e já o indicou ainda antes de assumir a Presidência –, Biden reassumirá o papel dos Estados Unidos no Acordo de Paris. Felizmente, tal não necessita mais do que uma comunicação formal às Nações Unidas, desfazendo a anterior comunicação de há dois anos. Num cenário ideal, em que a sua Administração contasse com um domínio democrata nos Estados Unidos, Biden teria a latitude para lançar um enorme plano de investigação tecnológica, desenvolvimento de infraestruturas e reabilitação urbana em torno das grandes fontes de emissão dos Estados Unidos. Esse cenário é ainda possível, sendo, no entanto, improvável dada a relação de forças no Senado.
Biden pode fazer muito mais, mesmo num cenário de impasse no Senado: muita da regulação ambiental norte-americana passa diretamente pelas ordens do ramo executivo. Foi assim que a Presidência Obama avançou muitas das metas dos programas mais ambiciosos para o sector elétrico. A administração federal pode ainda influenciar decididamente a evolução da recuperação económica dos Estados Unidos ao condicionar o acesso dos Estados federados e das suas indústrias aos fundos federais de apoio, ao compromisso com metas ambiciosas nas diferentes áreas da descarbonização. Foi assim que no primeiro mandato de Obama a salvação dos gigantes automóveis de Detroit foi condicionada à apresentação de novos modelos com menores emissões.
De certo modo, Biden terá também a sua vida facilitada por diversos motivos: no final desta pandemia tornar-se-á claro o atraso relativo dos Estados Unidos em relação à China em algumas tecnologias críticas da descarbonização: mobilidade elétrica, produção renovável, gestão urbana, entre outros. O argumento tecnológico contra o carvão e, em larga medida, o gás natural, será cada vez mais fácil de ser feito. O argumento económico é cada vez mais patente nas acções de um grupo cada vez maior de empresas e grupos alinhados com a neutralidade carbónica. O argumento moral da acção climática, esse, será crescentemente reforçado pelos próprios fenómenos climáticos extremos que testemunhamos com mais frequência.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico