Industry regressa ao escritório (e ao bar) na pandemia do teletrabalho
É uma história já vista, agora revista para a geração Z: um grupo de jovens luta por um lugar na banca de investimento em Londres. Mas no distanciamento social imposto pelo recolhimento obrigatório, a série que esta terça-feira se estreia na HBO Portugal ganha um novo contexto.
Industry, que esta terça-feira se estreia na HBO Portugal, pode muito bem ser uma série para quem tem saudades de um certo tipo de vida social, de um certo tipo de história, de um certo tipo de ficção televisiva num certo tipo de mundo. Não tem nomes sonantes fora o de Lena Dunham, que realiza o primeiro episódio e é produtora executiva desta joint venture da HBO e da BBC, mas desencadeia recordações televisivas e cinematográficas do mundo da alta finança e memórias saudosas do mundo pré-covid. Jovens adultos dão os primeiros passos profissionais num mundo traiçoeiro de sexo, mentiras e ausência de vírus.
Industry é uma primeira obra e a sua reverência pelo que veio antes não é literal — mas é uma dívida. O espectador mais voraz nota o que já viu, em bom, na mesma linha: das drogas jovens de Euphoria às agressões dos privilegiados de Succession, passando pelo retrato definitivo da alta finança que é Wall Street, de Oliver Stone. Gordon Gekko já não mora aqui, mas os espectadores vivem num contexto em que Industry, independentemente da sua qualidade, evoca a saudade de dançar a curta distância da saliva alheia e a nostalgia dos escritórios cheios de gente a respirar o ar da competição feroz. Há muito Red Bull e muitas anfetaminas num desses dois mundos. Sendo isto o banco de investimento ficcional Pierpoint, e sendo esta uma “turma” de recém-licenciados em bicos de pés à beira da escada corporativa, é fazer as contas.
Mickey Down e Konrad Kay, que assinam a série, têm o apoio de Lena Dunham de Girls na realização do primeiro dos oito episódios. A imprensa teve acesso aos quatro primeiros capítulos deste drama sobre locais de trabalho cuja protagonista, Harper Stern (interpretada por Myha’la Herrold), acredita na meritocracia e na ética no capitalismo. “Tornem-se indispensáveis”, aconselham-nos à chegada. Rapidamente há quem sirva cafés (uma mulher), quem seja envergonhado pela qualidade do seu fato (o jovem de origem modesta interpretado por Harry Lawtey), quem receba encorajamento de um chefe de origem asiática (interpretado por Ken Leung, de Perdidos) e conversas racistas e sexistas para todos os gostos em alguns dos locais centrais da série — filas de secretárias, casas de banho e bancos de trás de Ubers. O jargão financeiro entorpece.
Algures entre a ligeireza aprazível de um drama médico light como Anatomia de Grey e a nudez frontal masculina de uma série de cabo, Industry vem merecendo tanto o escárnio de críticos como Margaret Lyons, no New York Times, quanto os elogios do diário britânico The Independent. Mas críticos reputados como Dan Fienberg, na Hollywood Reporter, e Alan Sepinwall, na Rolling Stone concordam numa coisa com o espectador quando carrega no play: não havendo excepcionalidade na série, ela é um despertador para o contraste do mundo pré e pós-pandemia.
“Neste momento precário e isolador da nossa história, os aspectos de lifestyle-porn [o exibicionismo dos estilos de vida que espelha] — não só o uso abundante de drogas e sexo, mas até a excitação de trabalhar num espaço exíguo para um grupo de chefes exigentes — são talvez muito mais inebriantes do que os autores da série pretenderiam”, constata Alan Sepinwall. Assinalar a chegada de Industry é dar conta de uma obra de estreantes e de um elenco diversificado e jovem, mas a sua originalidade é sobretudo mostrar que (decidir) ver e fazer uma nova série neste fim de ano de pandemia é descobrir um olhar novo (o de quem vê) sobre uma indústria mudada.