Só no fim-de-semana chegaram quase 2000 migrantes e refugiados às Canárias
O arquipélago já recebeu em 2020 mais de 11 mil pessoas, um aumento exponencial provocado pelo reforço do controlo por parte da Turquia, Líbia e Marrocos ao longo das rotas do Mediterrâneo.
Nunca tantos migrantes e refugiados chegaram às Canárias em tão pouco tempo. Este fim-de-semana foram quase 2000 as pessoas vindas das costas de África a alcançar o arquipélago espanhol do mar Atlântico, numa altura em que as autoridades tinham acabado de organizar uma série de voos para levar para a península muitos dos que já se encontravam nas ilhas. Grande Canária, Tenerife e El Hierro foram as ilhas a registar mais chegadas.
Como já acontecera ao longo de Outubro, estas chegadas provocaram tensões na ilha de Grande Canária onde houve protestos dos habitantes, incluindo de muitos pescadores, que defendem que o número de migrantes que ali se encontra é demasiado grande. A maioria dos requerentes de asilo foram instalados no edifício do cais de Arguineguín, no sul da capital do arquipélago, com a Cruz Vermelha e o sindicato Jupol, da Polícia Nacional, a alertaram para a falta de condições.
“Já não há um buraco livre”, disse aos jornalistas Aday González, responsável local de Imigração da Cruz Vermelha, ainda no sábado.
Sexta-feira, durante uma visita em que esteve acompanhado pela comissária europeia para os Assuntos Internos, Ylva Johansson, o ministro do Interior espanhol, Fernando Grande-Marlaska, anunciara precisamente que o porto de Arguineguín deixará em breve de funcionar como centro de controlo de migrantes.
Se quando os dois responsáveis visitaram o cais eram 500 as pessoas que ali se encontravam à espera de serem transferidas para outras instalações, a meio do dia de sábado, depois da chegada de seis embarcações à ilha, eram estavam já 1570, segundo González, estimando-se que este número aumentasse para 2000 ou 2500 pessoas ao longo do fim-de-semana.
Ao todo, os serviços de emergência contabilizaram 40 pequenos barcos, muitos deles de pesca – só no sábado, foram atendidas nas ilhas 1096 pessoas que ali tinham chegado ou sido resgatadas pelas equipas de Salvamento Marítimo, num total de 20 embarcações.
Entre a noite de sábado e a madrugada de domingo, o 112 das Canárias contabilizou 600 chegadas em três barcos que alcançaram a ilha de Grande Canária sozinhos, para além de 18 pessoas que foram para ali levadas por barcos da Guarda Civil ou do Salvamento Marítimo, um ritmo que não abrandou no domingo.
Ao longo deste dia, 85 ocupantes de uma embarcação (incluindo três menores) alcançaram pelos seus próprios meios a praia de Santiago, na ilha de Gomera, e 49 desembarcaram em El Hierro, coma ajuda das equipas de resgate, enquanto as autoridades registavam a chegada de outras 115 pessoas a diferentes pontos do arquipélago em seis pequenos barcos, estas últimas conduzidas ao cais de Arguineguín.
Uma pessoa chegou morta a El Hierro, num barco em que vários ocupantes tiveram de ser hospitalizados. Mortos estavam também dois dos 11 ocupantes de uma embarcação que passou seis dias no mar até chegar a Alicante, na costa da Comunidade Valenciana.
Tragédia humanitária
A par da Cruz Vermelha, o sindicato Jupol manifestou-se preocupado com o aumento de chegadas e descreve “uma tragédia humanitária” que afirma ter deixado os agentes que têm a cargo a recepção destas pessoas “sobrecarregados, negligenciados e sem capacidade de reacção”.
Nada indica que as chegadas abrandem nos próximos dias: a contabilidade do fim-de-semana, aliás, não está totalmente fechada, já que, segundo disseram à agência Efe o 112 e os serviços de Salvamento Marítimo das Canárias, já a noite de domingo tinha caído e estavam ainda em marcha várias operações de resgate para localizar embarcações possivelmente à deriva em águas do arquipélago.
Este foi o fim-de-semana em que mais requerentes de asilo desesperados alcançaram estas ilhas, mas o número de chegadas já batera recordes em Outubro. De acordo com o correspondente em Madrid da Radio France Internationale, oficialmente chegaram às Canárias 5500 pessoas o mês passado, a maioria magrebinos, mauritanos e senegaleses. Muitos abandonaram os seus países por causa da impossível situação económica em que se encontram, agravada pela pandemia de covid-19.
Acordos da União Europeia
Alguns destes requerentes de asilo e migrantes foram alojados em complexos hoteleiros que o novo coronavírus deixou vazios de turistas. Mas em Outubro já o porto de Argineguín recebia em média 1000 pessoas, o que provocou protestos dos habitantes e a cólera dos pescadores, que organizaram já várias manifestações onde exigem soluções aos governos regional e nacional.
O arquipélago espanhol situado ao largo da costa noroeste de África tem assistido este ano a uma explosão do número de barcos que o tentam alcançar: até ao mês passado, o Governo espanhol dava conta da chegada de 11 mil pessoas, quando no mesmo período de 2019 tinham sido 2557.
Este aumento a pique explica-se com os acordos negociados entre a União Europeia com a Líbia, a Turquia e Marrocos, cujas forças de segurança e guardas costeiras travam a maioria dos que tentam alcançar as costas da Europa através Mediterrâneo.
Já em 2018, Espanha, e em particular a região da Andaluzia, tinha sido a principal porta de entrada de imigrantes e requerentes de asilo da Europa, ultrapassando a Grécia e Itália.
Na altura, e para além do acordo entre Bruxelas e Ancara para os turcos manterem dentro das suas fronteiras os que ali chegavam em fuga de guerras, perseguições ou da fome, este crescimento ficara a dever-se à recusa de Itália em deixar desembarcar quem vinha da Líbia. Na altura, o primeiro-ministro Pedro Sánchez pedia à UE um reforço dos fundos de apoio a Marrocos, para além de “uma verdadeira política comum para lidar com os requerentes de asilo”, algo que continua a faltar.