Greve dos enfermeiros só não avança se a lei não o permitir. “Uma greve nesta altura nunca irá prejudicar os utentes”

Pré-aviso de greve do Sindepor vai das 8h do dia 9 até às 24h do dia 13 de Novembro. Presidente do sindicato diz que só não entende uma paralisação nesta altura, quem estiver a ser “manipulado”.

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Em 2019 os enfermeiros afectos ao Sindepor organizaram várias acções de protesto LUSA/MIGUEL A. LOPES

A greve convocada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) para a próxima semana, entre os dias 9 e 13, só não irá acontecer se a lei não o permitir. Ou seja, se o diploma sobre o estado de emergência proibir este tipo de acções, como é previsível que o faça, ou se o Tribunal Arbitral, que deverá fixar os serviços mínimos, definir que a mesma não pode avançar. Carlos Ramalho, presidente do Sindepor, está consciente de que insistir numa greve nesta altura, com os hospitais sob pressão por causa da covid-19, pode ser mal interpretado, mas diz que só reage assim quem não está bem informado.

“Esta greve é mais um grito de revolta e de indignação do que uma tentativa de constranger o já fragilizado Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Somos obrigados a cumprir serviços mínimos - o que, neste momento, é tudo o que se está a fazer -, portanto, uma greve nesta altura nunca irá prejudicar os utentes”, diz Carlos Ramalho que, no ano passado, esteve em greve de fome para forçar o Ministério da Saúde a retomar as negociações com os enfermeiros sobre as suas reivindicações.

O Sindepor, afecto à UGT, encabeçou as polémicas greves cirúrgicas, que levaram mesmo o Governo a ditar a requisição civil dos enfermeiros. Desta vez, Carlos Ramalho garante que, a avançar, a greve convocada para o continente e os Açores, não irá, praticamente, afectar os serviços prestados aos utentes, mas recusa suspender a acção de protesto - a menos que a lei a isso obrigue - por considerar que “a pandemia não pode justificar tudo” e que os problemas da classe precisam de ser resolvidos. “Para os sindicatos não há outro tipo de reivindicação. O que é que podemos fazer quando estamos há mais de um ano a aguardar que se retomem as negociações interrompidas e que eram fundamentais? Agora assistimos a anúncios de contratações para tentar resolver uma situação que podia e devia ter sido acautelada com o reforço de meios que há muito andamos a exigir. E ainda para mais, são contratos precários, de quatro meses. Pedem-lhes que vão arriscar a vida e no fim podem levar um chuto, são descartáveis”, defende. 

Carlos Ramalho garante que a greve foi marcada a pedido dos enfermeiros, mas mesmo entre os que acompanham a página do sindicato no Facebook, é claro que a acção de protesto não está a ser bem vista por todos. Uma enfermeira classifica a realização de uma greve neste momento como “descabida” e “desumana”, outra garante que não concorda com o momento escolhido e há quem vaticine “um enorme fracasso”, lado a lado com os que demonstram o seu apoio à iniciativa. 

O líder do Sindepor diz que quem não concorda com a greve “está a ser manipulado”, alegando: “Se as pessoas perceberem que não vai haver um único utente que vai deixar de ser atendido, já entendem.”

Por enquanto, o sindicato está à espera do decreto-lei que definirá os termos do estado de emergência que entra em vigor na próxima segunda-feira e que deverá ser conhecido este sábado. E também da decisão do Tribunal Arbitral, com quem se reuniu na quinta-feira, para definir os serviços mínimos. O documento final do tribunal sobre essa matéria, prometido para esta sexta-feira, também pode impedir a greve, refere o sindicalista.

Greve “por turnos"

Se avançar, a greve começa às 8h de segunda-feira e prolonga-se até às 24h do dia 13. Apesar de o pré-aviso de greve se referir a uma paralisação “total” e a “todos os turnos” a intenção do Sindepor é que cada especialidade considerada não essencial (excluindo tudo o que esteja relacionado com a covid-19, os serviços de Oncologia ou Hemodiálise, por exemplo) paralise apenas durante um dia. “Isto permite que todos possam participar e sem causar grandes constrangimentos aos doentes. Os enfermeiros não se podem dar ao luxo de estar tantos dias sem receber”, diz.

Esta quinta-feira, num seminário online, organizado pelo Centro de Investigação em Saúde Pública, foram apresentados os resultados de um estudo sobre o impacto das greves de médicos, enfermeiros e técnicos de saúde no SNS, na organização hospitalar e na taxa de mortalidade. O estudo iniciado em 2018 pelo economista Eduardo Costa, no âmbito da sua tese de doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, e que ainda não foi publicado, conclui que as greves têm fortes implicações ao nível da organização dos hospitais - com quebras na actividade cirúrgica que chegam aos 54% - mas muito baixas quando se olha para os impactos nos doentes internados.

E embora os dados apontem para um aumento na ordem dos 5% da taxa de mortalidade quando existem greves de médicos e enfermeiros, Eduardo Costa salvaguardou que há muitas perguntas por responder, antes de se poder atribuir este aumento directamente à existência de uma greve. 

Aquando do anúncio do seminário, cujo título original em inglês se traduzia por Licença para matar? Os impactos das greves hospitalares, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) tomou uma posição pública, classificando-o como “uma visão provocatória sobre o direito dos médicos à greve” e “uma tentativa intimidatória de negar direitos constitucionalmente garantidos”. 

A sessão, transmitida em directo na plataforma Zoom teve apenas cinco pessoas presentes (incluindo o investigador e o coordenador da sessão). No Youtube, até esta sexta-feira, não tinha ido além das 24 visualizações.

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