E se existisse uma expressão para a masturbação feminina? Catarina tem 69 propostas, todas ilustradas

De uma página com conteúdos “para quem tem vulva” nasceu um livro para quem quer celebrar a masturbação feminina. Catarina Maia, que gere “O meu útero”, tem 69 propostas de expressões para a masturbação “de quem tem vulva”, ilustradas por 69 artistas portugueses.

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Adriana Morais

Catarina Maia é a cara por detrás da página de Instagram “O meu útero”, conhecida por desvendar os mistérios do corpo feminino e incentivar as pessoas a partilharem as suas histórias. Tudo começou como uma luta pela divulgação da endometriose, a doença que lhe foi diagnosticada há três anos (mas que a acompanha há muitos mais). Depois de expandir os seus conteúdos a outros problemas, curiosidades e prazeres do órgão genital feminino, sempre primando pela desmistificação e transparência, Catarina lançou um Ilustrário do Amor Próprio, uma ode gráfica à masturbação de quem tem vulva.

Tendo uma página difusora de “temas como a sexualidade e o conhecimento do corpo”, que pretende “encorajar as pessoas a largarem preconceitos”, Catarina deparou-se com a inexistência, no vocabulário português, de uma expressão para a masturbação feminina, “ou de quem tem vulva”. Nas suas intervenções usava uma emprestada da língua irmã brasileira, “tocar uma siririca”, que ninguém compreendia. Impulsionada por uma seguidora, decidiu enfrentar a falha lexical com uma proposta, em Dezembro, de “eleger a expressão ideal para a masturbação de quem tem vulva”.

Como se reuniram “muitas sugestões engraçadas”, achou por bem “aproveitar melhor a ideia”. Depois de se debater sobre o conceito e formato artísticos durante algum tempo, por volta de Junho surgiu ideia de compilar tudo num livro com uma ilustração por expressão. “Queria que fosse uma coisa mais palpável”, explica. O livro foi impresso pelo MAGO Studio, através da técnica de risografia. “Visto que ia convidar vários ilustradores e artistas”, e como a ilustração para risografia se torna mais complexa com o número de cores, Catarina optou por fazer uma coesão cromática no livro de contraste e sobreposição, entre apenas o azul e o vermelho. No total, o projecto contou com a participação de 69 artistas portugueses, como a ilustradora Cara Tracada (a lista completa pode ser consultada aqui).

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Mago Studio

Não escolhe uma ilustração favorita - “cada artista tem o seu próprio estilo e foi exactamente por isso que os contactei” -, mas destaca a expressão “tocar uma clitarra”. No entanto, não acredita que alguma expressão comece a ser usada. “Acho mais que será uma listagem de expressões que vai fazer as pessoas rirem e, se calhar, escolherem uma para si mesmas”, propõe. Já em Dezembro recebeu mensagens de seguidoras que lhe disseram: “Adorei esta, vou começar a usar”. E conclui: “Não há uma expressão convencionada, mas pelo menos fala-se do assunto.”

Contra todas as convenções, a jovem realça que o Ilustrário do Amor Próprio facilita “o diálogo da masturbação” entre “pessoas mais conversadoras”. “Não vão ser reticentes em abrirem este livro e rirem-se, e no fundo a reflectirem sobre masturbação sem se sentirem desconfortáveis”, confia. Onde muita gente vê “um tema completamente tabu, ignorado e até mal visto”, Catarina vê um estigma que precisa de ser resolvido. “Nunca nos meus anos de escola se falou sobre masturbação, e sobretudo entre quem tem vulva nunca é algo que seja encorajado de todo.” Como tal, destaca que “até a própria vivência sexual” só é abordada “na perspectiva da técnica ou da culpa”, e nunca do prazer. “Não se fala da outra parte do sexo, que é se calhar o motivo pelo qual a maior parte das pessoas o faz: é uma actividade prazerosa, ponto.”

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Catarina Maia tem 28 anos e é formada em Comunicação. Adriana Morais

O livro já se encontra disponível para encomenda online e Catarina revela que “tem tido bastante procura”. “As pessoas gostaram muito da ideia e mandam-me mensagens a dizer que estão desejosas de comprar o seu”, conta.

Como “O meu útero” surgiu para alertar sobre a endometriose

Catarina Maia sempre sofreu de “dores menstruais incapacitantes”. Na altura, achava que era normal, como os seus pais, amigos e até médicos achavam. “Fazia parte”, generaliza a jovem de 28 anos, com ironia. O problema prolongou-se durante a vida adulta apesar de, eventualmente, ter começado “a tomar a pílula para corrigir isso”, ou assim achava, explica. O “fardo”, como o descreve, ganhou outra denominação quando, há três anos, “depois de muitas peripécias”, descobriu que afinal tinha endometriose. “Senti-me um bocado chateada por, durante tantos anos, achar que isso era normal e que bastava tomar a pílula”, constata.

Além de uma prima que partilha do problema, não encontrou grande informação sobre o assunto. “Ninguém fala sobre isto”, acusa, reparando que um “estigma” circunda a questão: “Sempre que se falava da doença era associada à infertilidade (...) Achei muito injusto e senti que isto era uma narrativa que atravessa muitas mulheres, ou pessoas que menstruam: ou simplesmente lidar com as dores ou tomar a pílula.” E ressalva: “Visto que afecta uma em cada dez pessoas que nascem com vulva, é uma doença com uma prevalência muito significativa.”

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Ao perceber que se tinha gerado o “mito de ser uma doença de pessoas mais velhas, ou de pessoas inférteis” - o que, garante, “não é verdade” -, Catarina decidiu criar “O meu útero” para desmistificar a endometriose e aproximar pessoas com a doença. Usa a sua experiência como “pessoa nova e saudável com a doença crónica” incurável para “consciencializar as pessoas de que não é normal sentir estas dores e que merecem ajuda”. “Sinto que a sociedade fecha muito os olhos a isto porque é mais fácil e, como resultado, não temos acesso facilitado a diagnóstico atempado e a tratamentos eficazes”, critica.

Apesar de não ter formação na área científica, mas sim em comunicação, Catarina explica que adoptou o hábito de “investigar em assuntos científicos para ir mesmo à raiz da informação” quando fala sobre os problemas do foro ginecológico. Tem recebido um retorno “bastante positivo” das suas seguidoras - algumas das quais, graças a terem tropeçado na sua página, “começaram a reparar que algo não estava bem, decidiram investigar e procurar ajuda e acabaram por ser diagnosticadas”. Em alguns casos, “chegaram a fazer cirurgias e agora têm qualidade de vida”, o que “é muito recompensador” para Catarina.

A conta é um veículo para “dar a conhecer” o que lê e “não para dar aconselhamento médico”. A inclusividade é algo que a preocupa e que tenta implementar na sua página. “Faço por ter uma linguagem inclusiva no meu conteúdo, porque esquecemo-nos muitas vezes que quem menstrua nem sempre se identifica como mulher, e nunca existe uma comunicação dirigida para essas pessoas quando se fala de doenças de foro ginecológico.” Deste modo, consegue “incluir pessoas transgénero na conversa das dores menstruais, da sexualidade e até da fertilidade”.

Catarina quer incentivar quem tem vulva a não deixar que os seus sintomas sejam subvalorizados. “Não vou aceitar que o médico me revire os olhos e me diga que estou só a ser piegas”, contesta. “Não somos também encorajadas a conhecer o nosso corpo, a ler os seus sinais.” Por reconhecer que “quem nasce com vulva normalmente não tem muito controlo sobre o que se passa no seu corpo”, e que facilmente se instala o medo, considera que o “diálogo de ‘eu decido, eu sei que alguma coisa está mal e vou seguir o meu instinto’ é muito empoderador e as pessoas sentem uma libertação".

Na sua missão, as redes sociais apresentam-se como “uma ferramenta incrível”, mas que também exige “uma grande responsabilidade”. “É uma coisa com a qual eu tenho muito cuidado”, explica, pois deve-se “demonstrar respeito” à comunidade que acompanha a página, certificando-se de que “a informação está correcta e é inclusiva”. Para “fazer as pessoas questionarem-se sobre temas nos quais nunca tinham pensado”, Catarina admite que põe na conta “200%” de si. “É o meu trabalho e estou constantemente a trabalhar, ou a pensar, para os conteúdos que faço.”

Texto editado por Ana Maria Henriques

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