A política brasileira é, cada vez mais, assunto para homens armados

Número de candidatos com carreira nas forças de segurança mantém tendência de crescimento nas eleições municipais. Mas há também mais mulheres e pessoas LGBT nos boletins de voto.

Carrinhas da Polícia Militar durante a greve policial ilegal no Ceará, em Fevereiro
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Carrinhas da Polícia Militar durante a greve policial ilegal no Ceará, em Fevereiro Jarbas Oliveira/EPA
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Os candidatos seguem os passos do que, de entre eles, chegou mais longe: o Presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército Reuters/ADRIANO MACHADO

Seguindo uma tendência observada nos últimos anos, o número de profissionais da segurança pública a candidatar-se a cargos públicos no Brasil tem um novo capítulo nas eleições municipais de 15 de Novembro. Há 8730 candidatos a prefeito ou vereador provenientes das forças de segurança este ano, o que representa uma subida de 20% face às últimas eleições municipais, de acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

São pessoas com carreira nas polícias (Polícia Militar e Polícia Civil), bombeiros ou num dos ramos das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), e seguem os passos daquele que, entre eles, chegou mais longe: o Presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército. E é precisamente pelo Partido Social Liberal (PSL), pelo qual Bolsonaro foi eleito em 2018, que há mais candidatos com esta origem – 618, entre os mais de 21 mil que o partido apresenta nas municipais.

Este fenómeno é descrito pelo professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, como “uma tentativa de reforçar o discurso de lei e da ordem que tem ganho força junto à população”. “Deixam de lado debates sobre educação e saúde, por exemplo, para discutir a segurança, como se ela não dependesse de outros fatores”, diz o politólogo, citado pelo El País Brasil.

A subida do número de candidatos das forças de segurança nas municipais é consistente com o grande reforço que este sector alcançou nas eleições de 2018, não só através da eleição de Bolsonaro, mas sobretudo nas eleições para o Congresso. Nesse ano, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida popularmente como “bancada da bala”, passou de 36 para 102 elementos, entre senadores e deputados federais.

Em comum, os políticos provenientes desta área defendem uma abordagem dura face à criminalidade urbana, através de medidas como a redução da maioridade penal, a prisão imediata após segunda instância e, em alguns casos, até a catalogação de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra como “terroristas”. São também apoiantes de uma agenda conservadora nos costumes, favoráveis à proibição do aborto e à criminalização do consumo de drogas leves.

Um dos poucos que recebeu o apoio explícito de Bolsonaro nestas eleições foi o candidato à prefeitura de Fortaleza, Wagner Gomes, conhecido como Capitão Wagner, que se notabilizou por ter liderado a greve ilegal de polícias no início do ano no Ceará. As sondagens mostram-no bem colocado para chegar à vitória.

Mais diversidade

Os dados sobre as candidaturas também mostram, por outro lado, um quadro cada vez mais diversificado e aproximado da composição social do Brasil. Pela primeira vez, a maioria dos candidatos identifica-se como negra ou parda, contrariando a tendência de haver mais brancos a entrar na política.

Verifica-se também um crescimento do número de candidaturas de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgénero. Se em 2016 foram 215, este ano há 263 candidaturas de pessoas LGBT. Este ano é igualmente batido o recorde de candidatas do sexo feminino – são 34%, ligeiramente acima da quota legal obrigatória de 30% que os partidos devem respeitar.

Este ano, o efeito da pandemia da covid-19 também fez disparar o número de candidatos que adoptaram o epíteto de “Doutor” (300), e ainda mais os que têm “Farmácia” no nome: mais de 1400. Em 2016, cerca de 12% dos candidatos provenientes das forças de segurança conseguiram ser eleitos. Resta saber se a concorrência dos candidatos de bata irá prejudicar as ambições dos candidatos fardados.

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