Líderes da oposição presos na Tanzânia por apelarem a protestos contra fraude nas presidenciais

“A Tanzânia de Magufuli elevou a arte de manipular eleições a um nível inédito”, diz o investigador do think tank International Crisis Group para a África Oriental.

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Freeman Mbowe, presidente do principal partido da oposição, Chadema Reuters/EMMANUEL HERMAN

Cinco dias depois das eleições presidenciais e legislativas na Tanzânia, a polícia do país deteve Freeman Mbowe, presidente do principal partido da oposição, Chadema, e altos responsáveis da segunda formação política da oposição ao Presidente John Magufuli, ACT-Wazalendo.

A oposição planeava organizar esta segunda-feira “manifestações democráticas e pacíficas” para denunciar um “massacre da democracia”: segundo os resultados oficiais, divulgados no sábado, Magufuli foi reeleito com 84% dos votos e o partido no poder, Chama Cha Mapinduzi (CCM), conseguiu 97% dos lugares do Parlamento, o suficiente para poder alterar a Constituição.

“Prendemos Mbowe, está nas nossas mãos”, confirmou o chefe da polícia de Dar es Salaam, Lazaro Mambosasa. Segundo este responsável, foram detidos ainda outros seis membros importantes do partido. Sabe-se que entre estes se encontram o ex-deputado Godbless Lema, o antigo presidente da câmara de Dar es Salaam, Isaya Mwita, e o ex-presidente da câmara de Ubungo, Boniface Jacob.

“Soubemos que estavam a organizar manifestações ilegais e a persuadir os jovens a ir para as ruas hoje”, disse Mambosasa. “Para além destas manifestações, queriam incitar o saque de edifícios, incêndios em postos de gasolina, mercados e veículos de transporte público”, justificou, citado pela agência Associated Press.

As primeiras informações sobre a detenção de Mbowe foram dadas à Reuters pelo candidato do Chadema à presidência, Tundu Lissu, que disse ter recebido “uma mensagem pela meia-noite”. Entretanto, é possível que o próprio Lissu já tenha sido detido, adianta o diário The Citizen, principal jornal em língua inglesa do país, sublinhando estar a ser “difícil descobrir o seu paradeiro”.

Isto “não foi uma eleição” mas a obra de um “gangue que decidiu permanecer no poder custe o que custar”, acusara Lissu na quinta-feira, rejeitando por antecipação resultados que descreveu como “ilegítimos”. De acordo com a Comissão Eleitoral, Lissu obteve apenas 13% dos votos.

O opositor regressou ao país em Julho depois de três anos no estrangeiro – saiu da Tanzânia em 2017, quando foi atingido por 16 balas numa tentativa de assassínio.

"Clima de medo"

Tal como a restante liderança do seu partido e os chefes do ACT-Wazalendo, Lissu tinha dito que não ia aceitar os resultados e pedira a repetição das eleições, apelando à pressão da comunidade internacional. Também apelou à realização de protestos, já que as leis não lhe permitem contestar os resultados das presidenciais na Justiça (o que pode ser feito no caso das eleições legislativas). “A porta está fechada para contestarmos diante dos tribunais, é por isso que decidimos apresentar a questão ao povo, que é o detentor do poder”, explicara.

As primeiras denúncias de fraude foram feitas pela oposição ainda antes das eleições e continuaram no próprio dia e nos dias seguintes. Com poucos observadores independentes autorizados (e milhares rejeitados), houve violência e assédio de eleitores no dia do voto, ao mesmo tempo que a Internet e o serviço de envio de mensagens estiveram muito lentos.

Para o grupo de peritos regionais Tanzania Elections Watch, o voto decorreu num “clima de medo” por causa da conduta da polícia e dos militares mobilizados e estas eleições “marcam o mais significativo retrocesso nas credenciais democráticas da Tanzânia”. Murithi Mutiga, principal investigador do think tank l’International Crisis Group para a África Oriental considera que “a Tanzânia de Magufuli elevou a arte de manipular eleições a um nível inédito”.

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